de 1195? - Pádua, 13 de junho de 1231) com o Menino Jesus, ca. 1650/60.
O Passeio de Santo António
Saíra Santo António do convento
a dar o seu passeio costumado,
e a repetir num tom pesado e lento
um cândido sermão sobre o pecado.
Andando, andando sempre, repetia
o divino sermão, piedoso e brando,
e nem notou que a tarde esmorecia,
que vinha a noite plácida baixando.
E andando, andando, viu-se num outeiro
com árvores e casas espalhadas,
que ficava distante do mosteiro
uma légua das fartas, das puxadas.
Surpreendido por se ver tão longe,
e fraco por haver andado tanto,
sentou-se a descansar o bom do monge
com a resignação de quem é santo.
O luar, um luar claríssimo, nasceu:
num raio dessa linda claridade,
o Menino Jesus baixou do céu,
pôs-se a brincar com o capuz do frade.
Perto uma bica d’água soluçante
juntava o seu murmúrio ao dos pinhais;
os rouxinóis ouviam-se distante;
o luar mais alto iluminava mais.
De braço dado para a fonte vinha
um par de noivos, todo satisfeito:
ela trazia ao ombro a cantarinha;
ele trazia o coração no peito…
Sem suspeitarem de que alguém ouvisse
trocaram beijos ao luar tranquilo…
o Menino, porém, ouviu e disse:
a dar o seu passeio costumado,
e a repetir num tom pesado e lento
um cândido sermão sobre o pecado.
Andando, andando sempre, repetia
o divino sermão, piedoso e brando,
e nem notou que a tarde esmorecia,
que vinha a noite plácida baixando.
E andando, andando, viu-se num outeiro
com árvores e casas espalhadas,
que ficava distante do mosteiro
uma légua das fartas, das puxadas.
Surpreendido por se ver tão longe,
e fraco por haver andado tanto,
sentou-se a descansar o bom do monge
com a resignação de quem é santo.
O luar, um luar claríssimo, nasceu:
num raio dessa linda claridade,
o Menino Jesus baixou do céu,
pôs-se a brincar com o capuz do frade.
Perto uma bica d’água soluçante
juntava o seu murmúrio ao dos pinhais;
os rouxinóis ouviam-se distante;
o luar mais alto iluminava mais.
De braço dado para a fonte vinha
um par de noivos, todo satisfeito:
ela trazia ao ombro a cantarinha;
ele trazia o coração no peito…
Sem suspeitarem de que alguém ouvisse
trocaram beijos ao luar tranquilo…
o Menino, porém, ouviu e disse:
— Oh! Frei António, o que foi aquilo?
O Santo, erguendo a manga do burel
para tapar o noivo e a namorada,
mentiu numa voz doce como o mel:
— Não sei que fosse… eu cá não ouvi nada.
Uma risada límpida, sonora,
vibrou com timbres d’oiro no caminho.
— Ouviste, Frei António? Ouviste agora?
— Ouvi, Senhor, ouvi; é um passarinho.
— Tu não estás com a cabeça boa;
um passarinho e a cantar assim?
E o pobre Santo António de Lisboa
calou-se embaraçado. Mas por fim
corado como as vestes dos cardeais,
achou esta saída redentora:
— Se o Menino Jesus pergunta mais
queixo-me a sua Mãe, Nossa Senhora.
Voltando-lhe a carinha contra a luz,
e contra aquele amor sem casamento
pegou-lhe ao colo e acrescentou:
— Jesus são horas. E abalaram para o convento.
Augusto Gil, Luar de Agosto, 1909.
O Santo, erguendo a manga do burel
para tapar o noivo e a namorada,
mentiu numa voz doce como o mel:
— Não sei que fosse… eu cá não ouvi nada.
Uma risada límpida, sonora,
vibrou com timbres d’oiro no caminho.
— Ouviste, Frei António? Ouviste agora?
— Ouvi, Senhor, ouvi; é um passarinho.
— Tu não estás com a cabeça boa;
um passarinho e a cantar assim?
E o pobre Santo António de Lisboa
calou-se embaraçado. Mas por fim
corado como as vestes dos cardeais,
achou esta saída redentora:
— Se o Menino Jesus pergunta mais
queixo-me a sua Mãe, Nossa Senhora.
Voltando-lhe a carinha contra a luz,
e contra aquele amor sem casamento
pegou-lhe ao colo e acrescentou:
— Jesus são horas. E abalaram para o convento.
Augusto Gil, Luar de Agosto, 1909.
In Cancioneiro Popular Português,
coligido por J. Leite de Vasconcelos e coordenação
de Maria Arminda Zaluar Nunes.
[Poeta, advogado e alto funcionário da República, Augusto César Ferreira Gil nasceu em 1873, no Porto, e faleceu em 1929. Viveu parte da juventude na Guarda
e formou-se em Direito em Coimbra. Cultivou uma poesia de cunho
sentimental, um pouco inspirada na tradição popular e, ao mesmo tempo,
na lírica romântica e ultrarromântica portuguesas. Dos títulos
publicados, salientam-se Luar de janeiro (1909), Gente de Palmo e Meio (1913) e Avena Rústica (1927). O seu poema mais conhecido é a "Balada da Neve". (daqui)]
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