Julio Romero de Torres (Pintor simbolista espanhol, 1874-1930), "Mira qué bonita era", 1895.
Pálida e Loira
Morreu. Deitada no caixão estreito,
Pálida e loira, muito loira e fria,
O seu lábio tristíssimo sorria
Como num sonho virginal desfeito.
Lírio que murcha ao despontar do dia,
Foi descansar no derradeiro leito,
Às mãos de neve erguidas, sobre o peito,
Pálida e loira, muito loira e fria…
Tinha a cor da rainha das baladas
E das monjas antigas maceradas,
No pequenino esquife em que dormia…
Levou-a a morte em sua garra adunca!
E eu nunca mais pude esquecê-la, nunca!
Pálida e loira, muito loira e fria.
Pálida e loira, muito loira e fria,
O seu lábio tristíssimo sorria
Como num sonho virginal desfeito.
Lírio que murcha ao despontar do dia,
Foi descansar no derradeiro leito,
Às mãos de neve erguidas, sobre o peito,
Pálida e loira, muito loira e fria…
Tinha a cor da rainha das baladas
E das monjas antigas maceradas,
No pequenino esquife em que dormia…
Levou-a a morte em sua garra adunca!
E eu nunca mais pude esquecê-la, nunca!
Pálida e loira, muito loira e fria.
António Feijó, in Líricas e Bucólicas, 1884.
Líricas e Bucólicas
Coletânea de poesias (escritas entre 1876 e 1883), de António Feijó,
dividida em dois livros, "Líricas" e "Bucólicas", reveladora de um
lirismo mais sóbrio e depurado, afastado dos temas filosóficos e do tom
épico característicos das "Transfigurações", de 1882, e próximo da estética parnasiana: "alucinado espraio as minhas fantasias/ na indolência
da rima e no embalar do metro" ("Eterno tema").
As composições de
"Líricas" cantam variações sobre o "Eterno tema", o amor e a mulher: "Só
para te cantar que fale a Apoteose!/ vibre no espaço a Lira o canto
sobre-humano!/ que a Musa se renove e em tal metamorfose/ no verso possa
unir o místico ao profano!".
Na série "Flores de carne", o poeta
apresenta um friso de figuras femininas - Laïs, Lésbia, Santa Teresa de
Jesus e Rigolboche -, incarnações diversas do mesmo amor erótico. A expressão
lírica do sentimento amoroso surge, não raras vezes, associada a
motivos fúnebres (tal como em "Rosa branca", "Em frente do esquife",
"Cadências tristes", "No cemitério" e "Pálida e loira", um dos mais
célebres sonetos do autor), mas sempre com uma nota de distanciamento e
até de ironia (como em "Canção
da decadência").
Em "Bucólicas", Feijó opera uma renovação da veia
bucólica da poesia portuguesa, anunciada desde a "Sinfonia de abertura"
("- ouvi estas canções que a fantasia errante/ colheu, para formar um
virginal tesoiro,/ pelas searas sem fim, pelas paisagens largas,/ como
quem arquiteta o seu castelo d'oiro/ para fugir da vida às tentações
amargas...") e patente em composições como "Tintas da aurora", "Elegia rústica" ou "Árvore amiga".
Do ponto de vista formal, a coletânea destaca-se por uma grande variedade métrica e estrófica. (daqui)
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