sábado, 17 de junho de 2023

"Pálida e Loira" - Poema de António Feijó


Julio Romero de Torres (Pintor simbolista espanhol, 1874-1930), "Mira qué bonita era", 1895.
 
 
 
Pálida e Loira

 
Morreu. Deitada no caixão estreito,
Pálida e loira, muito loira e fria,
O seu lábio tristíssimo sorria
Como num sonho virginal desfeito.

Lírio que murcha ao despontar do dia,
Foi descansar no derradeiro leito,
Às mãos de neve erguidas, sobre o peito,
Pálida e loira, muito loira e fria…

Tinha a cor da rainha das baladas
E das monjas antigas maceradas,
No pequenino esquife em que dormia…

Levou-a a morte em sua garra adunca!
E eu nunca mais pude esquecê-la, nunca!
Pálida e loira, muito loira e fria.


António Feijó, in Líricas e Bucólicas, 1884.

 
Capa da primeira edição de Líricas e Bucólicas (1884)
 de António Feijó
(daqui)
 

Líricas e Bucólicas
 
Coletânea de poesias (escritas entre 1876 e 1883), de António Feijó, dividida em dois livros, "Líricas" e "Bucólicas", reveladora de um lirismo mais sóbrio e depurado, afastado dos temas filosóficos e do tom épico característicos das "Transfigurações", de 1882, e próximo da estética parnasiana: "alucinado espraio as minhas fantasias/ na indolência da rima e no embalar do metro" ("Eterno tema"). 
 
As composições de "Líricas" cantam variações sobre o "Eterno tema", o amor e a mulher: "Só para te cantar que fale a Apoteose!/ vibre no espaço a Lira o canto sobre-humano!/ que a Musa se renove e em tal metamorfose/ no verso possa unir o místico ao profano!". 
Na série "Flores de carne", o poeta apresenta um friso de figuras femininas - Laïs, Lésbia, Santa Teresa de Jesus e Rigolboche -, incarnações diversas do mesmo amor erótico. A expressão lírica do sentimento amoroso surge, não raras vezes, associada a motivos fúnebres (tal como em "Rosa branca", "Em frente do esquife", "Cadências tristes", "No cemitério" e "Pálida e loira", um dos mais célebres sonetos do autor), mas sempre com uma nota de distanciamento e até de ironia (como em "Canção da decadência"). 
 
Em "Bucólicas", Feijó opera uma renovação da veia bucólica da poesia portuguesa, anunciada desde a "Sinfonia de abertura" ("- ouvi estas canções que a fantasia errante/ colheu, para formar um virginal tesoiro,/ pelas searas sem fim, pelas paisagens largas,/ como quem arquiteta o seu castelo d'oiro/ para fugir da vida às tentações amargas...") e patente em composições como "Tintas da aurora", "Elegia rústica" ou "Árvore amiga". 
Do ponto de vista formal, a coletânea destaca-se por uma grande variedade métrica e estrófica. (daqui)
 

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