Manuel Ferreira (Arquiteto e artista português, 1927-2017), Vista de rio com azenha, 1955
Despedida a uma paisagem
(Fim e Começo - 1993)
Não reprovo a primavera
por começar de novo.
Não a culpo pelo facto
de cumprir a cada ano
a sua obrigação.
Entendo que a minha tristeza
não deterá o verde.
Uma folha de relva, se oscila,
é só ao vento.
Não me causa dor saber
que os amieiros sobre as águas
têm de novo com que sussurrar.
Reconheço que
– como se você ainda vivesse –
a margem de certo lago
segue bela como era.
Não tenho rancor
da vista pela vista
da baía resplandecente de sol.
Consigo até imaginar
outros, não nós,
sentados neste instante
no tronco de bétula caído.
Respeito o direito deles
ao sussurro, ao riso
e a um silêncio feliz.
Presumo até
que estejam apaixonados
e que ele a enlace
com um braço vivo.
Algo novo esvoejante
farfalha na folhagem.
Meu desejo sincero
é que eles o ouçam.
Nenhuma mudança exijo
das ondas costeiras,
ora ligeiras ora lânguidas,
e que não obedecem a mim.
Nada reclamo
das águas profundas junto ao bosque,
ora esmeralda,
ora safira,
ora negras.
Só uma coisa não aceito.
A minha volta para lá.
O privilégio da presença –
renuncio a ele.
Sobrevivi a você
só o bastante
para pensar de longe.
Wisława Szymborska, in "Para o meu coração num domingo",
Seleção, tradução e prefácio de Regina Przybycien e Gabriel Borowski.
São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2020.
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