sábado, 17 de abril de 2021

"D. Sebastião, Rei de Portugal" - Poema de Fernando Pessoa

D. Sebastião - Rei de Portugal

 
Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?
 
20-2-1933

Fernando Pessoa
do livro Mensagem, 1934
 (III - As Quinas - quinta: D. Sebastião, Rei de Portugal )
 
 
 
A Mensagem é a única obra completa publicada em vida de Fernando Pessoa. Contém 44 poemas, escritos entre 21 de julho de 1913 e 16 de março de 1934. A sua publicação acontece a 1 de dezembro de 1934, dia das comemorações da Restauração de 1640.

Concorrente ao "prémio Antero de Quental", Mensagem foi preterida a favor de Romaria, uma coletânea de versos do missionário franciscano Vasco Reis, que ilustrava a fé do povo como convinha ao regime de então. Teve de se contentar com o prémio de segunda categoria do Secretariado de Propaganda Nacional, dirigido pelo seu amigo António Ferro. O pretexto para o prémio de Categoria B foi o número de páginas, sendo o de Categoria A para um volume superior a 100 páginas. Na composição do júri, presidido por Mário Beirão, estavam Alberto Osório de Castro, Acácio de Paiva e Teresa Leitão de Barros.

O Secretariado de Propaganda Nacional, por decisão de António Ferro, acabou por elevar o prémio da Mensagem para o mesmo valor da Romaria, ou seja, de 1000$00 para 5000$00, embora o assunto tenha provocado bastante polémica. Fernando Pessoa, num escrito de 1935 e encontrado no seu espólio, afirma: "Publiquei em outubro passado, pus à venda, propositadamente, em 1 de dezembro, um livro de poemas, formando realmente um só poema, intitulado "Mensagem". Foi esse livro premiado, em condições especiais e para mim muito honrosas, pelo Secretariado da Propaganda Nacional".

A coletânea do padre Vasco Reis, apesar de ser normalmente considerada de pouca valia, parece ter sido premiada por ilustrar a fé popular, o que estava em conformidade com a intenção política do concurso. Pelo contrário, Mensagem, hoje reconhecida como uma obra capital da poesia portuguesa, era, essencialmente, um poema voltado para o "oculto" e para o místico, sobre a história de Portugal, a memória coletiva e a crença de um novo império civilizacional.

A Mensagem é mítica e é simbólica. Os 44 poemas encontram-se agrupados em três partes, ou seja, as etapas da evolução do Império Português - nascimento, realização e morte. Fernando Pessoa procura aí anunciar um novo império civilizacional. O "intenso sofrimento patriótico" leva-o a antever um império que se encontra para além do material.

Mensagem, apesar de conter poesias breves, compostas em momentos diversos, garante uma unidade histórica e lógica, sequencial e coerente. A sua estrutura tripartida permite contar e refletir sobre a vida e o percurso de Portugal ao longo dos séculos.

A primeira parte - Brasão - corresponde ao nascimento, com referência aos mitos e figuras históricas até D. Sebastião, identificadas nos elementos dos brasões. Dá-nos conta do Portugal erguido pelo esforço dos heróis e destinado a grandes feitos. Começa pela localização de Portugal na Europa e em relação ao Mundo, procurando atestar a sua grandiosidade e o valor simbólico do seu papel na civilização ocidental quando afirma "O rosto com que fita é Portugal!". Depois define o mito como nada capaz de gerar os impulsos necessários à construção da realidade; apresenta Portugal de um povo heroico e guerreiro, construtor do império marítimo; faz a valorização dos predestinados que construíram o País (Ulisses, Viriato, Conde D. Henrique e seu filho Afonso Henriques, D. Dinis, D. João I, D. Sebastião, Nuno Álvares Pereira, D. Henrique, D. João II e Afonso de Albuquerque); e refere as mulheres portuguesas, mães dos fundadores, celebradas como "antigo seio vigilante" ou "humano ventre do Império" como D. Teresa ou D. Filipa de Lencastre, mãe da "ínclita geração".

Na segunda parte - Mar Português - surge a realização e vida. Inicia-se com o poema Infante, onde o Poeta exprime a sua conceção messiânica da história, mostrando que o sopro criador do sonho resulta de uma lógica que implica Deus como causa primeira, o homem como agente intermediário e a obra como efeito. Nos outros poemas evoca a gesta dos Descobrimentos com as personalidades (Diogo Cão, Bartolomeu Dias, Fernão de Magalhães e Vasco da Gama) e acontecimentos que exigiram uma luta contra o desconhecido e os elementos naturais, com as glórias e as tormentas, considerando que valeu a pena. No antepenúltimo poema evoca a partida de D. Sebastião na Última Nau e o último poema é a Prece, onde renova o sonho. No Mar Português procura simbolizar a essência do ideal de ser português vocacionado para o mar e para o sonho.

Na terceira parte - Encoberto - aparece a desintegração, havendo, por isso, um presente de sofrimento e de mágoa, pois "falta cumprir-se Portugal". Encontra-se tripartida em Os símbolos (D. Sebastião, O Quinto Império, O Desejado, As Ilhas Afortunadas, O Encoberto), Os avisos (Bandarra, Vieira e "Screvo meu livro à beira-mágoa") e Os tempos (Noite, Tormenta, Calma, Antemanhã, Nevoeiro). Com os primeiros, começa por manifestar a esperança e o "sonho português", pois o atual Império encontra-se moribundo. Mostra a fé de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição. Nos três avisos define os espaços de Portugal; com os cinco tempos traduz a ânsia e a saudade daquele Salvador/Encoberto que, na Hora, deverá chegar, para edificar o Quinto Império, moral e civilizacional
(Daqui)
 
 
Retrato de D. Sebastião (1554 – 1578), por Alonso Sánchez Coello, 1562. 
[Descoberto em 2010, este retrato de D. Sebastião, estava no castelo Schönberg, na Áustria,
 mas era erradamente identificado com um nobre austríaco.]

 
D. Sebastião
 
 
D.Sebastião, monarca português, filho do príncipe D. João e de D. Joana de Áustria, nasceu em 1554, em Lisboa, e morreu em 1578, em Alcácer Quibir. Décimo sexto rei de Portugal (1557-1578), é conhecido pelo cognome de "o Desejado".

D. Sebastião herdou o trono de seu avô, D. João III, porque, apesar de este ter tido vários filhos, todos eles acabaram por falecer precocemente. Como era menor, ficou como regente sua avó D. Catarina, apesar de D. João III não ter deixado testamento mas apenas uns apontamentos em que a indicava como regente. Sua mãe, D. Joana, de acordo com o contrato nupcial, teve de regressar a Castela após a morte do príncipe D. João.

A regente D. Catarina, por influência do cardeal D. Henrique, começou por pedir ao Papa a fundação da Universidade de Évora, que entregou aos Jesuítas. Continuou a política de D. João III quanto ao Norte de África, querendo abandonar Mazagão, que, entretanto, teve de defender dos ataques mouros. Acusada de sofrer influências da Corte espanhola, pede a demissão de regente nas Cortes de Lisboa de 1562, continuando, no entanto, como tutora de D. Sebastião. Foi eleito como regente, nessa altura, o cardeal D. Henrique, tio de D. Sebastião. Nestas Cortes o povo manifestou a sua apreensão quanto à educação do rei, sobre a questão da sucessão e sobre a inalienabilidade de todo o território nacional, aspetos que D. Henrique vai ter em conta durante a sua regência, até D. Sebastião completar catorze anos.

D. Sebastião teve uma educação cuidada, mas era de um temperamento e humor variáveis, sujeito a períodos de depressão, e de carácter um pouco influenciável por aqueles que o cercavam. As lutas que entretanto houve no Norte de África, como na defesa de Mazagão, levavam-no a pensar em futuras ações em África.

Quando atinge os catorze anos, em 1568, D. Sebastião toma conta do governo e logo trata de reorganizar o exército, preparando-se para a guerra. Entretanto, para o país, o grande problema era o da sucessão do rei, pois era solteiro e parecia não se preocupar com isso, tendo-se malogrado várias negociações matrimoniais, circunstância que D. Sebastião atribui ao facto de não ter prestígio militar, o que o leva a sonhar cada vez mais com grandes feitos heroicos. Na Corte tentam fazer-lhe ver o perigo de tais ações sem primeiro ter assegurado a sucessão. Mas D. Sebastião ignora tais conselhos e, em 1572, deixa a regência a D. Henrique e faz uma viagem pelo Norte de África. O pretexto que D. Sebastião aguardava aparece com um problema surgido no Magrebe. D. Sebastião toma partido por uma das partes, sonhando dominar essa área e recuperar as praças antes abandonadas. 
 
O próprio rei, contra todos os conselhos, parte à frente de um exército que ele próprio preparara. Apesar de toda a bravura no combate, o exército português foi derrotado em Alcácer Quibir, e nessa batalha morre o rei D. Sebastião e uma grande parte da juventude portuguesa. Este desastre vai ter as piores consequências para o país, colocando em perigo a sua independência. O resgate dos sobreviventes ainda mais agravou as dificuldades financeiras do país. O cadáver de D. Sebastião foi encontrado e reconhecido, estando sepultado no Mosteiro dos Jerónimos. A crença popular não aceitou a sua morte e daí nasceu o mito do Sebastianismo.
 
Como não tinha descendentes, vai-lhe suceder o tio, o Cardeal D. Henrique. (Daqui)
 
 
 D. Sebastião, Rei de Portugal, por Alonso Sánchez Coello, 1575


Sebastianismo
 
 
Morto D.Sebastião em Alcácer Quibir, e tendo sido Portugal anexado pela Espanha em 1580, Portugal estava perante o período mais negro da sua História: perdera toda a opulência e grandiosidade do início do século, com a batalha de Alcácer Quibir perdeu o melhor da sua juventude e dos seus militares, ficou endividado com o pagamento dos resgates e sofreu o domínio castelhano, que o vai oprimir. Nasce então uma versão particular de messianismo, sobretudo de influência judaica, o Sebastianismo: crê-se que toda esta opressão, todo este sofrimento, toda esta miséria, toda esta crise será vencida com o aparecimento de D. Sebastião (numa manhã de nevoeiro...), que libertará Portugal dos castelhanos e da sua opressão e lhe restituirá a antiga grandeza. 
 
Defende-se que D. Sebastião não morreu nem podia ter morrido. E aparecem então os falsos "D. Sebastião", tendo sido presos uns e mortos outros. Este sonho é sustentado e difundido por várias pessoas e de várias maneiras, em que sobressaem as Trovas do Bandarra de Trancoso - e, já no nosso século, a Mensagem de Fernando Pessoa. Primeiro clandestinamente, depois mais à luz do dia, esse movimento influencia a revolta do Manuelinho de 1637, em Évora, e vai propiciar o 1.o de dezembro de 1640, pelo entusiasmo posto na sua execução e pela confiança que a todos transmite.

O Sebastianismo transforma-se num mito: quando há épocas de crise aparece como uma esperança de melhores dias, de mais justiça e de maior grandeza. O mito (como é próprio dos mitos) foi sendo adaptado às realidades de cada momento. Em 1640, por alturas da restauração da independência nacional, era D. João IV o "Encoberto". (Daqui)
 
 
Retrato de D. João IV, duque de Bragança c. 1628 por Peter Paul Rubens
 

D. João IV

 
João IV, monarca português, nasceu em Vila Viçosa a 19 de março de 1604 e a partir de 29 de outubro de 1630 tornou-se o 8.o duque de Bragança. Casou com D. Luísa de Gusmão, espanhola de nascimento, a 12 de janeiro de 1633. Foi escolhido pelos obreiros da Restauração para rei de Portugal. 1 de dezembro de 1640 foi a data da restauração da independência de Portugal face ao reino de Espanha. Terminava assim a dinastia filipina, que durante 60 anos governara Portugal. D. João IV foi aclamado rei a 15 de dezembro.

Pese embora a conjura de 1641 contra o novo rei, da qual resultou uma severa punição para os seus responsáveis, D. João IV teve o apoio da grande maioria da sociedade portuguesa, o que lhe permitiu criar novos impostos, desvalorizar a moeda e recrutar voluntários para fazer face às necessidades monetárias e humanas de um confronto militar que se adivinhava próximo com a vizinha Espanha.

Em 1641 verificaram-se os primeiros confrontos, saldando-se por uma vitória do exército português na Batalha do Montijo e uma tentativa fracassada dos espanhóis no cerco de Elvas. A Espanha estava fortemente mergulhada na  Guerra dos Trinta Anos, pelo que foi preciso esperar pelo fim da guerra entre franceses e espanhóis, que só se verificou em 1659, para que os espanhóis pudessem concentrar todas as suas atenções na anulação da Restauração portuguesa.

Durante este período, D. João IV, com o objetivo de legitimar a revolução e obter auxílio militar e financeiro, enviou embaixadores para as principais Cortes europeias. Era necessário convencer os reinos europeus de que D. João IV não era um rebelde mas sim o legítimo herdeiro do trono que havia sido usurpado pelos Filipes. D. João IV apresenta-se, assim, como o legítimo herdeiro do cardeal D. Henrique, pois, em 1580, quem deveria ter sucedido no trono era D. Catarina, duquesa de Bragança, e não Filipe II de Espanha. Os embaixadores vão também legitimar o novo rei segundo o novo princípio político de que o poder era conferido por Deus ao povo, que, por sua vez, o transmitia ao rei.

D. João IV faleceu a 6 de novembro de 1656, deixando o reino, política e militarmente organizado, entregue à regência de D. Luísa de Gusmão. (Daqui)



"Sinto frio na alma; não sei com que me agasalhar. Para o frio da alma não há manto nem capa, quem o sente não se esquece."

s.d. 

Fernando Pessoa,
Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa - Teresa Rita Lopes 
 Lisboa: Estampa, 1990. - 19.
 
 

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