sábado, 10 de abril de 2021

"Do seu longínquo reino cor-de-rosa" - Poema de Fernando Pessoa


Berthe Morisot (1841–1895), The Cradle, 1872, óleo sobre tela, 46 x 56 cm
Musée d'Orsay, Paris, França


Do seu longínquo reino cor-de-rosa
 

Do seu longínquo reino cor-de-rosa,
Voando pela noite silenciosa,
A fada das crianças vem, luzindo.
Papoulas a coroam, e, cobrindo
Seu corpo todo, a tornam misteriosa.

À criança que dorme chega leve,
E, pondo-lhe na fronte a mão de neve,
Os seus cabelos de ouro acaricia —
E sonhos lindos, como ninguém teve,
A sentir a criança principia.

E todos os brinquedos se transformam
Em coisas vivas, e um cortejo formam:
Cavalos e soldados e bonecas,
Ursos e pretos, que vêm, vão e tornam,
E palhaços que tocam em rabecas...

E há figuras pequenas e engraçadas
Que brincam e dão saltos e passadas...
Mas vem o dia, e, leve e graciosa,
Pé ante pé, volta a melhor das fadas
Ao seu longínquo reino cor-de-rosa. 

1932

Fernando Pessoa
,
 Poesias Inéditas, 1930-1935
 

 
Mary Cassatt (American, 1844 - 1926), Susan Comforting the Baby No. 1, c. 1881


Criança, era outro...
 
Criança, era outro...
Naquele em que me tornei
Cresci e esqueci.
Tenho de meu, agora, um silêncio, uma lei.
Ganhei ou perdi?

s.d.

Fernando Pessoa,
 Poesias Inéditas, 1930-1935


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