William-Adolphe Bouguereau (1825-1905), Rest (Mother and Children), 1879,
óleo sobre tela, 107 x 164 cm, Cleveland Museum of Art, Cleveland, OH, USA
À Memória de Minha Mãe
Mãe! Morreste!
Agora é tão tarde para te dizer as palavras necessárias.
O relógio bateu duas e meia. É noite escura
E a dor galopa surdamente no meu peito.
Teu corpo jaz ainda morno, já sem interesse para ti.
Por tua causa, amanhã, movimentar-se-ão pessoas
Diversas
Que não te conheceram.
Serão preenchidos papéis: requerimentos, boletins;
Pás ou picaretas (nem eu sei) ferirão a terra
E sobre ela erguerão, depois, um número qualquer
Que será de futuro o teu bilhete de identidade.
Agora, porém, tudo ainda é quieto.
Só um galo canta, feliz, na sua inconsciência de ser vivo.
As lágrimas rompem-me incontroláveis e inúteis.
É tarde!
Já só existem saudades e fotografias.
As palavras que eu amaria ter-te dito
Sobem-me ao silêncio dos lábios cerrados.
Lá fora a chuva molha a madrugada
Enquanto os familiares se olham
Com o rosto congestionado de lágrimas
E sono interrompido,
Adorando-te em silêncio,
Mais que nunca,
– Esmagados pelo prestígio da morte.
Agora é tão tarde para te dizer as palavras necessárias.
O relógio bateu duas e meia. É noite escura
E a dor galopa surdamente no meu peito.
Teu corpo jaz ainda morno, já sem interesse para ti.
Por tua causa, amanhã, movimentar-se-ão pessoas
Diversas
Que não te conheceram.
Serão preenchidos papéis: requerimentos, boletins;
Pás ou picaretas (nem eu sei) ferirão a terra
E sobre ela erguerão, depois, um número qualquer
Que será de futuro o teu bilhete de identidade.
Agora, porém, tudo ainda é quieto.
Só um galo canta, feliz, na sua inconsciência de ser vivo.
As lágrimas rompem-me incontroláveis e inúteis.
É tarde!
Já só existem saudades e fotografias.
As palavras que eu amaria ter-te dito
Sobem-me ao silêncio dos lábios cerrados.
Lá fora a chuva molha a madrugada
Enquanto os familiares se olham
Com o rosto congestionado de lágrimas
E sono interrompido,
Adorando-te em silêncio,
Mais que nunca,
– Esmagados pelo prestígio da morte.
in 'Antologia Poética'
Egito Gonçalves (Matosinhos, 8 de abril de 1920 — Porto, 28 de janeiro de 2001) exerceu várias atividades profissionais,
desde funções comerciais, a tradutor e jornalista. Figura reconhecida
nos meios poéticos da década de 50, Egito Gonçalves esteve ligado a
publicações onde se revelaram e afirmaram alguns dos maiores poetas da
época contemporânea: fundou e dirigiu, no Porto, A Serpente; participou na direção do último número da revista Árvore; foi codiretor e um dos principais responsáveis de Notícias do Bloqueio; dinamizador da coleção "Germinal"; um dos fundadores do Teatro Experimental do Porto; correspondente em Portugal
do "Centre International d'Études Poétiques".
Conhecida pelo seu cunho
combativo e intencionalidade social, a poesia de Egito Gonçalves
encontra muitas vezes no diálogo e apelo a um interlocutor não nomeado a
situação comunicativa privilegiada para aludir de forma irónica ou
diferida a contextos históricos, encontrando nessa mediação o
distanciamento preciso para que a sua voz não ceda à expressão
sentimental de um lirismo motivado por situações trágicas. Esse discurso
dirigido a um tu, mensageiro do bloqueio e da resistência ("Vai pois e
noticia com um archote / aos que encontrares de fora das muralhas / o
mundo em que nos vemos, poesia / massacrada e medos à ilharga" ("Notícias do Bloqueio" in A Viagem com o teu Rosto), ou companheira cujos "ombros nus são a evasão possível" ("Localização", in A Evasão Possível),
evolui também, sem rejeitar uma imagética de teor surrealista, para o
discurso de um nós, que conhece uma situação coletiva de mordaça e paz
absurda ("Morremos pouco a pouco neste vácuo / que a solidão nos serve
como leito", in Os Arquivos do Silêncio), mas que não recua,
esperando o momento em que lhe será restituída a dignidade: "Este
cemitério é vasto e sem muros. / Aí nos situamos; e entre nós / há esta
só diferença: nós podemos / fazer ainda a vida acontecer." ("Colóquio com um Fuzilado", in Os Arquivos do Silêncio). (Daqui)
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