quarta-feira, 7 de abril de 2021

"Vem sentar-te comigo Lídia à beira do rio" - Poema de Ricardo Reis / Fernando Pessoa


Alexej von Jawlensky (Russian, 1864-1941), Schokko with Red Hat, 1909,
Columbus Museum of Art


[Schokko with Red Hat is an expressionist portrait of a woman with a lavish, crimson red hat and matching ascot. A bundle of lilac adjacent flowers adorn the front of the hat. 'Schokko' holds a pale blue hand fan against her stomach as she peers directly at the viewer.] 
 

Vem sentar-te comigo Lídia à beira do rio


Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos).

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e caricias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças. 
 
E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti. 
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.  
 
12-6-1914
 
 Ricardo Reis, in "Odes"
Heterónimo de Fernando Pessoa
 


Alexej von Jawlensky, Self-Portrait, 1912 

Alexej von Jawlensky (1864–1941) foi o mais célebre pintor expressionista russo, embora a sua carreira artística se tenha desenrolado praticamente na Alemanha, onde integrou um grupo de artistas denominado Der Blaue Reiter
 
 
 
Alexej von Jawlensky, Variation, c. 1916
 
 
- Neue Künstlervereinigung -
 
'Neue Künstlervereinigung' designa uma associação de artistas expressionistas formada em 1909 em Munique por um grupo de artistas, entre os quais se destacavam Alexej von Jawlensky (1864-1941), Adolf Erbslöh (1881-1947) e Wassily Kandinsky (1866-1944), que foi o seu primerio presidente.

Formado em paralelo com o movimento Die Brücke, na altura ativo em Dresden, este grupo apresentava um carácter mais livre e menos coeso e procurava constituir uma plataforma para o desenvolvimento das mais diversas manifestações, tendo como objetivo fundamental a tentativa de ultrapassar o atrasado e eclético panorama artístico alemão. Apresentava ainda alguns denominadores conceptuais que o ligavam intimamente ao movimento expressionista, tal como a ideia subjetiva e individualizada do processo criativo, o entendimento da comunicação estética como algo de pessoal e íntimo e a necessidade do artista cruzar a perceção mais ou menos objetiva da realidade com a sua própria sensibilidade interior.

A ligação deste movimento com a produção artística francesa coeva, como por exemplo a pintura fauvista, manifesta-se em muitos dos trabalhos realizados por Kandinsky ou por Jawlensky, no seu intenso cromatismo, na temática da paisagem.

Wassily Kandinsky (1866-1944), o artista mais marcante deste grupo, representa o momento de transição de uma figuração muito diluída para uma linguagem inteiramente abstrata, baseada exclusivamente na capacidade comunicativa e espiritual dos materiais básicos da expressão plástica, como a cor e a forma. O seu primeiro trabalho abstrato foi uma aguarela, realizada em 1910.

De entre os restantes artistas que integravam o grupo, destacam-se os alemães Alexander Kanoldt (1881-1939), Gabriele Münter (1877-), companheira de Kandinsky, e Karl Hofer (1878-1955), da Morávia Ótakar Kubín (1883-1969), Marianne von Werefkin (1860-1933) e os irmãos russos David Bourtilouk (1882-1967) e Vladimir Bourtilouk (1886-1917), assim como Alexeï von Jawlensky, anteriormente ligado ao movimento fauvista.

Mais tarde, juntaram-se ao grupo os pintores franceses Pierre Giraud e Henri Le Fauconnier (1881-1946) assim como dois promissores pintores alemães, Franz Marc (1880-1916) e August Macke (1887-1914).

Uma das principais atividades da Neue Künstlervereinigung foi a organização de exposições coletivas, para as quais eram publicados catálogos que constituíam um meio para reflexão sobre a produção artística e sobre os fundamentos estéticos do movimento. No prefácio do catálogo da primeira exposição de grupo, realizada em 1909, foi apresentado o programa teórico do movimento, denunciando o seu carácter aberto e universalizante.

O catálogo da segunda exposição do grupo, apresentada em 1910, incluía um texto do pintor Odilon Redon, um dos pintores que maior influência exerceu sobre esta corrente. Nesta exposição figuravam, para além dos seus membros, outros artistas marcantes da cena artística europeia, como Alfred Kubin, Maurice Vlaminck (1876-1958), André Derain (1880-1954), Van Dongen, Picasso e Georges Rouault (1871-1958).

Durante a preparação para a terceira exposição, uma das telas de Kandinsky foi retirada da montagem devido ao seu grande tamanho, incidente que provocou uma rutura interna, levando a que um conjunto de artistas, entre os quais o próprio Kandinsky, organizassem uma apresentação independente que constituiria a primeira atividade do movimento Der Blaue Reiter.  (Daqui)
 
 
Wassily Kandinsky, The Blue Rider (Der Blaue Reiter), 1903, oil on canvas,
 

- Der Blaue Reiter -

Der Blaue Reiter, que na língua portuguesa significa O Cavaleiro Azul, designa um grupo de pintores expressionistas que desenvolveram atividade em Munique, entre 1911 e 1913. Este grupo, criado pelo pintor russo Wassily Kandinsky e pelo alemão Franz Marc, integrava alguns dissidentes da "Nova Associação de Artistas", formada na mesma cidade em 1909. O nome que adotaram para este movimento sintetiza a paixão de Franz Marc pelo cavalo e de Kandinsky pela cor azul.

Os seus principais pontos de interesse eram a arte primitiva, a arte intuitiva infantil, o potencial das associações psicológicas e simbólicas da cor, da linha e da composição, relativamente aos quais foram muito influenciados pela música expressionista, nomeadamente a do compositor Arnold Schoenberg, que também integrava o grupo.

O grupo apresentou uma exposição coletiva em 1911, denunciando, pela diversidade de inspirações e de tendências estéticas dos artistas participantes - Robert Delaunay, Campendonk, Arnold Schoenberg, Macke e Henri Rousseau, entre outros -, a inexistência de um programa ou de uma orientação teórica rígida. Uma das características deste movimento foi precisamente o seu carácter orgânico e aberto e a sua especial preocupação pelos aspetos espirituais da criação artística mais que pelos aspetos formais e linguísticos. Assim, se Kandinsky enveredou por uma via abstrata, Franz Marc manteve-se sempre ligado a uma representação figurativa, ainda que não realista.

Em maio de 1912, foi publicado um primeiro número da revista Blaue Reiter Almanack onde são divulgados importantes ensaios dos seus fundadores e de outros artistas como Kubim, Pechstein e Schoenberg.

Na sua segunda exposição, para além dos artistas que integravam o grupo, figuravam outros pintores de nomeada como Hans Arp, Paul Klee e Kasimir Malevich.

Apesar da sua reduzida longevidade (o grupo dissolveu-se em 1913, nas vésperas da Primeira Guerra Mundial), Der Blaue Reiter foi uma das principais correntes do expressionismo alemão.
(Daqui)
 

Franz Marc, Red and Blue Horses, 1912, Lenbachhaus
 

"A arte é a contemplação: é o prazer do espírito que penetra a natureza e descobre que ela também tem uma alma. É a missão mais sublime do homem, pois é o exercício do pensamento que busca compreender o universo, e fazer com que os outros o compreendam."  
 
 Auguste Rodin (1840 - 1917, escultor francês)


 Franz Marc, Self-Portrait, 1905

Pintor alemão, Franz Marc, filho de pintor, nasceu em 1880, em Ried, próximo de Munique, na Baviera. Em 1900, ingressou na Academia de Belas-Artes de Munique onde estudou pintura. Estabeleceu-se em Paris em 1903 e desenvolveu trabalhos que revelam influência tanto do Impressionismo como do movimento do Jugendstil que marcou a sua formação em Munique. Na pintura "Cães Siberianos na Neve", realizada entre 1909 e 1910, as figuras dos animais parecem fundir-se com o fundo, pela acentuação dos tons de azul e branco, com evidente aproximação à estética impressionista e à obra de Vincent Van Gogh com a qual Marc contactou em 1907.

Em 1910, conheceu os pintores August Macke e Wassily Kandinsky e no ano seguinte ingressa na Neue Kunstlervereinigung (Nova Associação de Artistas) de Munique. Nesta altura, juntamente com Kandinsky, fundou o grupo Der Blaue Reiter e tornou-se responsável pela publicação do seu almanaque, desde 1912.

Franz Marc entendia a religião como um componente importante do processo criativo e assumia a arte como um meio para representar, de forma quase onírica, a verdade oculta e íntima da realidade. Assim, a sua pintura foi-se gradualmente libertando da referência cromática naturalista ou realista e passou a imprimir à cor uma forte conotação espiritual: vermelho representa a matéria, o azul é o elemento masculino e o amarelo é o elemento feminino.

Nas telas "Grandes Cavalos Azuis", de 1911, e "Pequenos Cavalos Amarelos", de 1912, percebe-se a dupla temática presente no seu trabalho: o cavalo, símbolo de força, e a cor intensa e luminosa utilizada como metáfora sexual.

A partir de 1912, o seu trabalho tornou-se mais abstrato, com a adoção dos jogos cromáticos de Robert Delaunay e uma maior complexidade compositiva na relação entre figuras e paisagem através de interseção de formas e diluição de contornos. No ano seguinte, abandonou qualquer referência figurativa realizando a sua primeira tela inteiramente abstrata.

Franz Marc foi morto em Verdun em 1916, durante a Primeira Guerra Mundial.
 

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