quinta-feira, 22 de abril de 2021

"Soneto de amor" - Poema de Lêdo Ivo

 
Paul Ranson (French painter and writer, 1861-1909), The Blue Room, ca. 1900
 

Soneto de amor
 
Doce fogo do amor, como me queimas
e me fazes arder por entre neves
como se eu fora a pálida fogueira
acesa pelo sol na noite breve.

Doce rival do fogo verdadeiro,
quanto mais rompo contra as tuas chamas,
elas se alastram mais na minha cama
e, guerreiro, por ti sou guerreado.

Mais me queima teu frio, mais intacto
respiro e te combato; e fatigado
da luta em que me abrasas, mais descanso.

Oculto nos lençóis, fogo de estio,
escorres, ledo e manso como as águas
— a água serena do amoroso rio.
 
 
do livro “Crepúsculo civil”, 1990


 
 Retrato de Paul Ranson, vestido de Nabi, 1890, por Paul Sérusier,
 
[Paul-Élie Ranson (1861-1909) foi um pintor e gravador francês ligado ao grupo Les Nabis ou Nabis.]
 
 
Nabis
 
Nabis designa um pequeno grupo de artistas franceses, formado na década de 1880, que, sob influência da linguagem e técnica pictórica do pintor francês Paul Gauguin, procuram um caminho para uma arte espiritual de dimensão universal, constituindo uma das tendências do movimento simbolista. A designação "nabis", derivada termo hebraico "navi" que significa profeta, deve-se ao poeta Cazalis.

Sérusier, enquanto estudante na academia Julian, foi bastante influenciado por Gauguin e procurou divulgar a sua obra e os respetivos fundamentos formais, reunindo em torno de si um grupo de jovens pintores ávidos pela definição de novos caminhos estéticos. A mostra coletiva de pinturas de artistas impressionistas e sintetistas, realizada em Paris em 1889 permitiu a este grupo o contacto direto com uma mais vasta obra pictórica. Mais tarde descobrem a obra de Van Gogh, de Paul Cézanne e de Toulouse-Lautrec. De forma mais ou menos direta, cruzam ainda influências da cultura popular, das estampas japonesas, dos trabalhos de Gustave Moreau (1826-1898) e dos pintores pré-rafaelitas, assim como dos simbolistas Puvis de Chavannes (1824-1898) e Odilon Redon.

De entre os pintores que integraram o movimento destacava-se o grupo formado pela Academia Julian de Paris, liderado por Pierre Bonnard (1867-1947) e Maurice Denis (1870-1943), o teórico do grupo e autor de uma obra de carácter místico com referências à Escola de Pont-Aven.

Édouard Vuillard (1868-1940) foi o mais interessante dos pintores formados na Escola de Belas-Artes de Paris.

Bonnard e Vuillard, os artistas mais interessantes do grupo, constituíram uma fação independente, à qual se juntou o pintor Henri Rousseau (1844-1910). Desenvolvem trabalhos que procuram acentuar sensações primitivas através de formas em arabesco e de um cromatismo plano que recusa a sensação de profundidade e dilui o contraste entre figura e fundo. Denotando a influência das estampas japonesas e do japonismo, este grupo anuncia em simultâneo a linguagem pictórica do Fauvismo. Abordaram temáticas que incluíam a paisagem e a cena de género (da cultura parisiense ou da vida familiar).

O suíço Félix Vallotton (1865-1925) junta-se ao movimento em 1892, desenvolvendo uma obra que se caracteriza pela representação de figuras alongadas e estilizadas e pela acentuação de uma linearidade de carácter ornamental.

Para além dos pintores, faziam parte do grupo os escultores LacombeAristide Maillol (1894-1944). As suas obras, marcadas ideologicamente pelo culto da beleza e da saúde, representam figuras de forte plasticidade e sensualidade, através do recurso a formas curvas e a uma modelação cuidada.

Tal como se verificava frequentemente nos movimentos artísticos dos finais do século XIX ou de inícios do século XX, a atividade artística não se fixou nas formas expressivas da pintura a da escultura, estendendo-se ao campo das artes decorativas (como o vitral, o cartaz, a ilustração, a gravura) e do teatro. Nesta área é de salientar o trabalho de Félix Vallotton que realizou inúmeros trabalhos de gravura a preto e branco e inventou uma novo processo de xilogravura, que permitia a simplificação do traço e da linha.

A Revue Blanche, fundada pelos irmãos Nathanson, constituiu o instrumento de reflexão filosófica e de divulgação de alguns dos trabalhos pictóricos.

Os membros do grupo Nabis expuseram juntos pela última vez em 1899, numa altura em que a acentuação das divergências linguísticas entre as suas obras levaria a que alguns destes pintores se ligassem a outros movimentos, como o expressionismo alemão.

Alguns ensaios críticos e teóricos foram produzidos por alguns dos elementos do grupo, de entre os quais se destacam Maurice Denis, com os seus livros Teorias e Novas Teorias, publicados respetivamente em 1913 e em 1922 e Paul Sérusier (1864-1927), que escreveu ABC da pintura, editado em 1921. (Daqui)

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