Pintura de Yoshiro Tachibana
Caminho
I
Tenho sonhos cruéis; n'alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...
Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...
Porque a dor, esta falta d'harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d'agora,
Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.
Camilo Pessanha
Yoshiro Tachibana
Caminho
II
Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quê, nem eu o sei.
- Bom dia, companheiro – te saudei,
Que a jornada é maior indo sozinho.
E longe, é muito longe, há muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei!...
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.
E no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvário,
E queima como areia!... Foi no entanto
Que choramos a dor de cada um
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.
Camilo Pessanha
Yoshiro Tachibana
Caminho
III
Fez-nos bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada...
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol: vamos embora.
Este vinho, mais virgem do que a aurora,
Tão virgem não o temos na jornada...
Enchamos as cabaças: pela estrada,
Daqui inda este néctar avigora!...
Cada um por seu lado!... Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar só todo o caminho,
Eu posso resistir à grande calma!...
Deixai-me chorar mais e beber mais,
perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fé e sonhar - encher a alma.
Camilo Pessanha
Yoshiro Tachibana
Biografia de Camilo Pessanha
Camilo Almeida Pessanha (Coimbra, 7 de Setembro de 1867 — Macau, 1 de Março de 1926) foi um poeta português.
Camilo Pessanha foi um dos mais importantes poetas portugueses. Expoente máximo do Simbolismo, escreveu poemas e sonetos de grande qualidade rítmica e formal. Estudou direito na Universidade de Coimbra e viveu grande parte da vida em Macau. Apaixonado pela cultura chinesa, fez vários estudos e traduziu poetas chineses. A sua obra influenciou escritores como Fernando Pessoa ou Mário de Sá-Carneiro. Os seus poemas foram reunidos numa coletânea intitulada “Clepsidra”, considerado um dos melhores livros da poesia portuguesa.
Camilo Pessanha exerceu uma influência fundamental na poesia portuguesa - apesar da sua personalidade apagada e de fugir de todo o tipo de protagonismos. Com grande sensibilidade, escrevia sobre ideais inatingíveis e a inutilidade dos esforços humanos.
Camilo Pessanha nasceu em Coimbra, fruto da ligação ilícita entre um aristocrata estudante de direito e uma criada. Começou o liceu em Lamego e acabou-o em Coimbra. Em 1891 formou-se em Direito na Universidade de Coimbra. Partiu, três anos mais tarde, para Macau, onde deu aulas de filosofia.
Os seus poemas foram publicados, pela primeira, em 1899 - não devido aos esforços de Camilo Pessanha, mas dos amigos. Foram eles que os fizeram chegar às revistas literárias. Foi assim que se tornou uma referência para a geração de Orpheu, que tinha como figuras de proa Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro.
Camilo Pessanha fazia parte do Simbolismo, movimento proveniente de França e da Alemanha, que procurava expressar a realidade através de símbolos. A sua poesia era melancólica e pessimista, como podemos depreender num excerto de “Castelo de Óbidos”: “O meu coração desce, / Um balão apagado? / Melhor fora que ardesse, / Nas Trevas incendiado.” Em muitas das suas obras, mostrava uma tristeza absoluta e viscosa, de que era impossível fugir, como uma doença. A dor dilacerava.
Em 1900 Pessanha ocupou a função de conservador do Registo Predial de Macau. Ao mesmo tempo, ia estudando a cultura chinesa. Aproveitou o conhecimento da língua para traduzir poemas de autores locais.
Regressou algumas vezes a Portugal. Um dos seus melhores amigos era Alberto Osório de Castro, irmão da escritora e feminista Ana de Castro Osório. Pessanha apaixonou-se perdidamente por ela. Um amor não correspondido que durou a vida inteira. Ana de Castro Osório viria a ser uma das responsáveis pela publicação do primeiro livro de Pessanha: “Clepsidra”.
Regressou a Macau onde acabou por morrer. O consumo diário de ópio provocou-lhe a morte em 1926. Camilo Pessanha revelou-se essencial para a poesia portuguesa. Sem ele, autores como Cesário Verde e Eugénio de Andrade não teriam encontrado um mestre.
Galeria de Yoshiro Tachibana
"Primeiro aprenda a ser um artesão. Isso não o impedirá de ser um génio."
(Eugène Delacroix)
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