Cats readers / Gatos lectores, Ilustraciones de Valentin Rekunenko
Quando eu for pequeno
Quando eu for pequeno, mãe,
quero ouvir de novo a tua voz
na campânula de som dos meus dias
inquietos, apressados, fustigados pelo medo.
Subirás comigo as ruas íngremes
com a certeza dócil de que só o empedrado
e o cansaço da subida
me entregarão ao sossego do sono.
Quando eu for pequeno, mãe,
os teus olhos voltarão a ver
nem que seja o fio do destino
desenhado por uma estrela cadente
no cetim azul das tardes
sobre a baía dos veleiros imaginados.
Quando eu for pequeno, mãe,
nenhum de nós falará da morte,
a não ser para confirmarmos
que ela só vem quando a chamamos
e que os animais fazem um círculo
para sabermos de antemão que vai chegar.
Quando eu for pequeno, mãe,
trarei as papoilas e os búzios
para a tua mesa de tricotar encontros,
e então ficaremos debaixo de um alpendre
a ouvir uma banda a tocar
enquanto o pai ao longe nos acena,
lenço branco na mão com as iniciais bordadas,
anunciando que vai voltar porque eu sou pequeno
e a orfandade até nos olhos deixa marcas.
José Jorge Letria, in "O Livro Branco da Melancolia"
José Jorge Letria
Portugal
n. 1951
n. 1951
Jornalista/Político/Poeta/Escritor
Ilustração de Valentin Rekunenko
"O processo de criação não é transparente. Em determinados momentos qualquer coisa em mim - um ritmo, um marulhar de sílabas, imagens - me leva a procurar o papel. De que parte de mim isto vem não sei, é uma necessidade do espírito que subitamente procura tomar expressão."
Eugénio de Andrade
Eugénio de Andrade
Portugal
1923 // 2005
Poeta
"É possível que só as árvores tenham raízes, mas o poeta sempre se alimentou de utopias. Deixe-me pois pensar que o homem ainda tem possibilidades de se tornar humano."
Eugénio de Andrade
Sem comentários:
Enviar um comentário