Ilustração de
Tom Lovell
Que todos os dias sejam dias de Amor
João Brandão pergunta, propõe e decreta:
Se há o Dia dos Namorados, por que não haver o Dia dos Amorosos, o Dia dos Amadores, o Dia dos Amantes? Com todo o fogo desta última palavra, que circula entre o carnal e o sublime?
E o Dia dos Amantes Exemplares e o Dia dos Amantes Platónicos, que também são exemplares à sua maneira, e dizem até que mais?
Por que não instituir, ó psicólogos, ó sociólogos, ó lojistas e publicitários, o Dia do Amor?
O Dia de Fazê-lo, o Dia de Agradecer-lhe, o de Meditá-lo em tudo que encerra de mistério e grandeza, o Dia de Amá-lo? Pois o Amor se desperdiça ou é incompreendido até por aqueles que amam e não sabem, pobrezinhos, como é essencial amar o Amor.
E mais o Dia do Amor Tranquilo, tão raro e vestido de linho alvo, o Dia do Amor Violento, o Dia do Amor que não ousava dizer o seu nome mas agora ousa, na arrebentação geral do século?
Amor Complicado pede o seu Dia, não para tornar-se pedestre, mas para requintar em sua complicação cheia de vôos fora do horário e da visibilidade. Amor à Primeira Vista, o fulminante, bem que gostava de ter o seu, cortado de relâmpagos. E há motivos de sobra para se estabelecer o Dia do Amor ao Próximo, e o Próximo somos nós, quando nos esquecemos de nós mesmos, abjurando o enfezadíssimo Amor-Próprio.
Depressa, amigos criadores de Dias, criai o do Amor Livre, entendido como tal o que desata as correntes do interesse imediato, da discriminação racial e económica, ri das divisões políticas, das crenças separatórias, e planta o seu estandarte no cimo da cordilheira mais alta. Livre até no impulso egoístico da correspondência geométrica. Amor que nem a si mesmo se escraviza, na total doação que é converter-se no alvo, pois lá diz o que sabe: «Transforma-se o amador na coisa amada.»
Haja também um Dia para o Amor não correspondido, em que ele se console e crie alento para perseverar, se esta é a sua condição fatal, melhor direi, a sua graça. Pois todo Amor tem o seu ponto de luz, que às vezes se confunde com a sombra.
O Amor Impossível, exatamente por sua impossibilidade, merece a compensação de um Dia. Concederemos outro ao Amor Perfeito, que não precisa de mais, mergulhado que está na eternidade, a mover os sóis, independentemente da astrofísica. Ao Amor Imperfeito, síntese muito humana de tantos, retrato mal copiado do modelo divino, igualmente, se consagre um Dia generoso.
Amor à Glória não carece ter Dia, nem Amor ao Dinheiro e seu primo (ou irmão) Amor ao Poder. Eles se satisfazem, o primeiro com uma bolha de sabão, os outros dois com a mesa posta. Mas ao Amor faminto e sem talher, e ao que nenhuma iguaria lhe satisfaz, porque sua fome vai além dos alimentos e é a fome em si, a ansiosa procura do que não existe nem pode existir: um Dia para cada um.
E se mais Dias sobrarem, que sejam reservados para os Amores de que não me lembro no momento mas certamente existem, pois sendo o Amor infinito em sua finitude, isto é, fugindo ao tempo no tempo, e multiplicando-se em invenções, subtilezas, desvarios, enigmas e tudo mais, sempre haverá um Amor novo no sujeito amante, dentro do Amor que nele pousou e que cada manhã nasce outra vez, de sorte que o mesmo Amor é cada dia outro sem deixar de ser o antigo, e são muitos outros concentrados e não compendiados na potencialidade de amar. Assim sendo, recomendo e requeiro e decreto que todos os dias do ano sejam Dias do Amor, e não mais disso ou daquilo, como erradamente se convencionou e precisa ser corrigido. Tenho dito. Cumpra-se.