Sentimento do mundo
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
Sentimento do Mundo
Os livros que Carlos Drummond de Andrade publicou
nos anos 30 trazem muitos poemas escritos por ele ao longo da década anterior.
Nesses textos, a influência modernista é bastante perceptível, tanto na opção
pela liberdade formal dos versos livres e brancos, quanto na preferência
temática pelo cotidiano e pela vida urbana.
Sentimento do Mundo, livro de 1940, traz
poemas escritos ao longo da segunda metade da década anterior. Ali,
evidencia-se a assimilação sólida da influência modernista, à qual o poeta
confere um tom pessoal, que aparece, por exemplo, nas referências ao universo
rural que permeia as memórias poéticas do escritor.
Apesar de Drummond ter iniciado sua carreira já em
um elevado patamar de qualidade, é notável como em Sentimento do Mundo
se percebe o início de sua maturidade artística. Na década seguinte, anos 50,
ele refinaria ainda mais a expressividade lírica, confirmando uma dicção
poética particular no conjunto dos poetas modernistas.
Essa personalidade própria é indicada no interesse
pelas questões sociais. É verdade que esse tema sempre foi explorado pelos
modernistas, desde a primeira geração. O que ocorre com Drummond diz respeito à
maior transparência do posicionamento político. No caso do poeta mineiro, seus
textos tendem a expressar com clareza cada vez maior sua postura marxista. Na
obra posterior, A Rosa do Povo, a posição ideológica de Drummond
ganharia ainda mais evidência.
A acentuação da temática social no livro de 1940 é
mais do que justificável pelo contexto de produção dos poemas: a Europa vivia o
clima que culminaria com a eclosão da Segunda Guerra Mundial e o Brasil
assistia à insistência de Vargas em apegar-se ao poder, que o conduziria ao
golpe do Estado Novo – oficialização da ditadura. Tais fatores determinam uma
tensão política à qual dificilmente o poeta poderia ficar alheio.
No entanto, Drummond não deixa de se questionar a
respeito das potencialidades efetivas da poesia política. Esse questionamento
confere uma interessante oscilação a sua arte: de um lado, temos a reafirmação
da necessidade de uma reação à opressão e, de outro, a manifestação de
fatalismo diante das dificuldades dessa reação.
Contexto
Sobre o
autor
O primeiro livro de Carlos Drummond de Andrade, Alguma Poesia, de
1930, inaugurava uma carreira que renovaria a literatura brasileira por
décadas. Ao longo dos anos 30, Drummond fez de sua arte um espaço de reflexão
sobre os acontecimentos de seu tempo – o governo Vargas e a proximidade da
guerra europeia. E seria assim para o resto de sua vida poética: a busca do
lugar do Ser no mundo que o rodeia.
Importância
do livro
Uma das tarefas da geração de poetas que publicou seus primeiros livros a
partir dos anos 30 foi a de consolidar as conquistas modernistas inauguradas em
1922. Assim, os versos livres e brancos e a linguagem coloquial já não causam
surpresa em Sentimento do Mundo. A novidade fica por conta do tratamento
temático. Sem se deixar levar pela poesia panfletária, Drummond preferiu o
caminho mais árduo da exposição das tensões que essas questões colocavam aos
intelectuais de seu tempo.
Período
histórico
A década de 1930 possui dois polos de tensão muito claros. No plano
internacional, os acontecimentos que teriam como desdobramento a Segunda
Guerra, a partir de 1939. No Brasil, a acomodação de Vargas no poder,
consolidada com a decretação do golpe do Estado Novo em 1937.
Análise
“Mundo mundo vasto mundo / mais vasto é o meu
coração” – esses versos pertencem ao “Poema de sete faces”, publicado em Alguma
Poesia, de 1930, o primeiro livro de Carlos Drummond de Andrade. Os
primeiros versos de “Mundo grande”, poema de Sentimento do Mundo,
publicado dez anos depois, parecem ser uma resposta a eles: “Não, meu coração
não é maior que o mundo. / É muito menor”. Entre um e outro trecho, há todo um
trabalho de pesquisa interior, em que duas tendências fortes da poesia do
escritor são colocadas em confronto: de um lado, a persistência do intimismo e
da subjetividade; de outro, a imposição dos fatos históricos, que exigiam uma
arte comprometida, engajada, que respondesse adequadamente às questões que o
tempo colocava diante dos intelectuais.
Depois das inovações de linguagem promovidas pelos
modernistas de 1922, era preciso revolucionar a própria sociedade, o “mundo
caduco” que dava sinais cada vez mais claros de esquizofrenia.
Os versos livres e brancos e o coloquialismo da
linguagem, marcas características da literatura modernista, estão presentes no
livro, heranças claras de Mário de Andrade e Manuel Bandeira (este último
homenageado em um poema do livro). Ao lado delas, nota-se a convivência
pacífica entre imagens simples e outras, mais herméticas, de teor surrealista.
A composição dos poemas do livro coincide com a
transferência de Drummond para o Rio de Janeiro, na condição de funcionário
público federal. Sua poesia ganha em amplitude, seu olhar parece lançar-se
sobre o mundo (“Mundo grande”). No entanto, a marca da terra natal não o
abandona (“Confidência do itabirano”), e sua mineiridade continua a aflorar com
toda a força (“Canção da moça-fantasma de Belo Horizonte”).
O vilão era o estado opressor – responsável tanto
por ditaduras espalhadas pelo mundo, da Alemanha ao Japão, da Itália a Espanha,
de Portugal ao Brasil, quanto pela miséria a que estava relegada a maior parte
da população do planeta. A vitória sobre ele dependia da ação efetiva dos
oprimidos. Embora se sinta assim, o poeta acredita que o movimento
transformador venha, de fato, dos trabalhadores, mas seu diálogo com eles é
cheio de tensão e de dificuldade de compreensão (“O operário no mar”). A
distância social é sentida com dor e angústia (“Privilégio do mar”) e expressa,
por vezes, com a acidez da ironia (“Os inocentes do Leblon”).
No entanto, é preciso vencer essa distância. O
poeta se lança a essa tarefa, buscando alargar seus horizontes de comunicação
(“Mãos dadas” e “Os ombros suportam o mundo”). Tem consciência dos riscos
(“Congresso Internacional do Medo”), mas teme, acima de tudo, os efeitos da
alienação, isto é, a sensação de distanciamento do mundo (“Poema da
necessidade” e “Madrigal lúgubre”).
Os contendores irão organizar-se em dois grandes blocos: de um lado a aliança entre a Alemanha e o Império Austro-Húngaro e do outro uma coligação em que sobressaem a Inglaterra e a França a oeste e a Rússia a leste. Os Estados Unidos, tal como Portugal, não participarão de início no conflito.
Numa primeira fase, que corresponde aproximadamente ao ano de 1914, a iniciativa pertence quase por inteiro aos exércitos alemães e seus aliados, travando-se uma guerra de movimento em duas frentes, na França e na frente russa (as mais importantes), bem como noutras regiões do globo, como a África e a Ásia. Segue-se uma guerra de trincheiras, em que as frentes se imobilizam com grandes perdas em homens e material, sem que qualquer dos contendores obtenha qualquer vantagem; faz aí o seu aparecimento o emprego de gases tóxicos como arma de combate. Ao mesmo tempo, a guerra submarina conduzida pela Alemanha causava perdas volumosas em tonelagem de navios, homens e bens, levantando dificuldades nas comunicações entre a Europa e a América.
Em 1917 a situação começará a alterar-se, quer com a entrada em cena de novos meios, como os tanques e a aviação, quer com a chegada ao teatro de operações europeu das forças americanas ou a substituição de comandantes por outros com nova visão da guerra e das táticas e estratégias mais adequadas; lançam-se, de um lado e de outro, grandes ofensivas, que causam profundas alterações no desenho da frente, acabando por colocar as tropas alemãs na defensiva e levando por fim à sua derrota.
A opinião pública manifestara-se de certo modo favorável à guerra no seu início, havendo uma sensação generalizada de que se trataria de um conflito breve e insignificante e predominando, nos adversários da Alemanha, a convicção de que se lutava pelos grandes valores da Humanidade contra a barbárie teutónica e a convicção otimista de que o conflito traria a paz ao mundo (o Presidente americano Wilson proclamaria que se tratava de uma "guerra para acabar com todas as guerras"). Este otimismo seria destruído pelo prolongar dos combates e pela divulgação dos sofrimentos, quer dos combatentes quer das populações civis (o número de mortos ascenderia a perto de nove milhões só entre os contendores mais importantes), o que reforçou os movimentos pacifistas e desencadeou greves de conteúdo político.
Após o conflito, e sob a influência determinante de Wilson, seria constituída a Sociedade das Nações, que pretendia ser um fórum vocacionado para arbitrar conflitos entre os estados e impedir de futuro a repetição das guerras. (Daqui)
Em termos económicos, a Europa ficou completamente desorganizada, com graves problemas no setor agrícola e industrial. Os grandes beneficiários desta situação foram os EUA e o Japão. No caso do Japão, o país pode beneficiar do afastamento dos tradicionais concorrentes europeus, o que permitiu o estímulo e a diversificação da sua indústria. Os EUA lucraram também, pois viram as suas reservas de ouro duplicar, ficando nas suas mãos cerca de metade do ouro disponível a nível mundial. Este poderio económico vai permitir ao país substituir a pouco e pouco a preponderância financeira dos europeus, em particular na América do Sul. Segundo o tratado de Versalhes (28 de junho de 1919), a Alemanha era considerada a grande responsável pela guerra, tendo que pagar 22 milhões de marcos/ouro como reparação dos danos às populações civis. Este dinheiro foi repartido na sua maior fatia pela França (52%) e pela Grã-Bretanha (22%).
Mas mais significativa que os reveses económicos foi a reconstrução política da Europa, "plasmada" em vários tratados de paz assinados após a Guerra, reunidos sob o nome de Tratados de Versalhes, cuja ineficácia ficaria provada em menos de duas décadas. As negociações de paz reuniram 32 Estados, entre vencedores e vencidos, orientados sob os princípios idealistas do presidente americano Woodrow Wilson (1913-1921). Daqui resultaram problemas políticos que seriam posteriormente o rastilho para uma guerra ainda mais letal do que a que findava. Os problemas-chave latentes eram o direito de nacionalidade das minorias assimiladas pelos Impérios Austríaco, Russo e Otomano; a repartição dos territórios coloniais, não europeus; a vexação sofrida pela Alemanha (desmilitarizada, perdendo territórios e pagando indemnizações pesadas); e o fracasso da Sociedade das Nações (SDN), incapaz de fazer respeitar os acordos e manter a paz.
O mapa geopolítico da Europa foi então redefinido sobre os escombros da guerra. A Alemanha foi forçada a evacuar a Alsácia-Lorena, pertencente à França, e a margem esquerda do Reno (Renânia). A região do Sarre ficará sob o controlo da SDN, reservando ao território o direito de optar em relação ao país que desejasse integrar (a França ou a Alemanha). A Posnânia (na Polónia) e uma parte da Prússia (território alemão no báltico oriental) são dadas à Polónia, ainda que o acesso ao Báltico fosse assegurado por um "corredor" de 80 km, separando-se a Alemanha da Prússia oriental. O território do Norte de Schleswig foi também anexado à Dinamarca, após plebiscito entre a população (1920).
A Europa central e balcânica foi totalmente reorganizada a partir do desmembramento do Império Austro-Húngaro. A Hungria viu-se, todavia, amputada de parte do seu território pelo tratado de Saint-Germain-en-Laye (10 de setembro de 1919), perdendo ainda outras regiões através do disposto no tratado de Trianon (4 de junho de 1920). Segundo o tratado de Neuilly (novembro de 1919), a Bulgária foi forçada a ceder a Trácia à Grécia e a Macedónia à Sérvia. A Turquia teve também que abandonar as suas possessões árabes e a Terra Santa, o que correspondia a quatro quintos do seu império (tratado de Sèvres, 10 de agosto de 1920). Relativamente à Polónia, o tratado de Versalhes pouco precisou no que diz respeito à sua fronteira oriental com a Rússia. O desmembramento do Império dos Habsburgos (Áustria-Hungria) vai beneficiar a então recente república checoslovaca, a Roménia e a Sérvia, cujo Estado ficava com a posse da Eslovénia, a Croácia (com a Dalmácia).
Aos impérios históricos, formados sob o princípio da legitimidade, sucediam-se os novos países criados sob o princípio da nacionalidade, face à eclosão de diversos movimentos nacionalistas. Húngaros, polacos, checos e eslovacos e povos da ex-Jugoslávia proclamam a sua autonomia logo em 1918 no fim da guerra, enquanto se ouvem também os protestos de albaneses, arménios e gregos orientais (da Turquia). Ao mesmo tempo, os países que perderam com o alinhamento das fronteiras, como a Hungria e a Alemanha, mostravam o seu descontentamento aderindo a ideais como os saídos da terceira Internacional comunista ou mesmo a outros de expressão mais extremista, de direita nacionalista.
A Europa dividiu-se politicamente. A vitória dos Aliados era entendida como a vitória da democracia face aos impérios autocráticos. O garante desta nova ordem seria a SDN, instituída pelo tratado de Versalhes. A Sociedade tinha uma dupla função: por um lado, garantia a paz e a segurança internacional, e por outro devia desenvolver a cooperação entre as nações, encarando o espírito universal do parlamentarismo. Contudo, porque baseada em equívocos, a sua ação irá revelar-se insuficiente para evitar o deflagrar de um novo conflito. (Daqui)
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