segunda-feira, 29 de março de 2021

"Poética" - Poema de Manuel Bandeira


Emil Nolde, At the Café, 1911 

 

Poética

 
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo.
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de cossenos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
 
 
in 'Libertinagem, 1930'
 
'Poética' é um poema de Manuel Bandeira lido na Semana de Arte Moderna de 1922, que expõe os princípios estéticos básicos que impulsionaram a primeira revolta pela liberdade formal da poesia do modernismo brasileiro, juntamente com 'Os Sapos'. (Daqui)



Emil Nolde, Excited People, 1913


Probleminhas terrenos:
Quem vive mais
Morre menos?
 
 (Haicai / Haikai)
 
 

Emil Nolde, Autumn Sea VII, 1910 


Eis o meu mal
A vida para mim
Já não é vital.
 
 (Haicai / Haikai)
 

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