terça-feira, 30 de março de 2021

"Soneto da Neve" - Poema de Lêdo Ivo


 
Claude Monet (French, 1840 - 1926), Snow Effect at Argenteuil, c. 1875
Nelson-Atkins Museum of Art


Soneto da Neve


Quando te amo, penso sempre na neve,
em uma neve branca como o esperma.
Penso sempre na neve quando te possuo,
ver a neve que cai entre as bétulas.

Em minha meninice sempre desejei
ver a neve cair, atravessar a branca
escuridão da neve que, entre o dia e a noite,
devolve ao mundo negro um branco seminal.

Eu sempre desejei que o mundo fosse a alvura
da neve, da brancura virginal
do alvo lençol imune a qualquer mácula.

E a neve cai em mim e cai na desolada
noite escura da alma, a neve do silêncio,
a imaculada e frígida alvura do nada.

Lêdo Ivo,
do livro "Plenilúnio", 2004

 


Claude Monet, The Magpie, 1868–1869, Musée d'Orsay, Paris


Manhã de neve.
Até mesmo os cavalos
Ficamos olhando.
(Haicai / Haikai / Haiku) 
 

Portrait of Bashō by Hokusai, late 18th century
 
 
Poeta japonês, Basho, pseudónimo de Matsuo Munefusa, é considerado um mestre da forma poética haiku
Nasceu em 1644, numa família de samurais em Ueno, na província de Iga, a sudeste de Kyoto, e faleceu em 1694, durante uma estadia em Osaka. Durante algum tempo serviu Todo Yoshitada que o teria iniciado na arte da poesia. O primeiro poema conhecido de Basho data de 1662. Em 1664, alguns dos seus poemas foram publicados numa antologia de poesia em Kyoto. Nesta época adotou o nome samurai Munefusa. Contudo, dois anos depois, na sequência da morte de Yoshitada, Basho deixou a terra natal e viveu muito provavelmente em Kyoto durante alguns anos. Procurou aprofundar a sua instrução junto de professores de filosofia, caligrafia e poesia chinesa clássica. Entretanto o seu trabalho aparecia em várias antologias e começava a ser conhecido no mundo literário de Edo (atual Tóquio). 
 
Em 1672 mudou-se para a capital. Aparentemente só se decidiu a enveredar profissionalmente pela carreira das letras alguns anos depois. O pseudónimo Basho surgiu do nome da bananeira (basho) que cobria com a sua sombra a pequena casa construída pelos alunos numa zona rural de Edo. Apesar da fama que entretanto alcançara, dos muitos amigos, discípulos e patronos, em alguns dos seus poemas transparecia a solidão e melancolia que o conduziria à procura de uma via espiritual através da prática da meditação Zen sob a orientação de Butcho, um mestre Zen.

Basho empreendeu várias viagens que o inspiraram profundamente. Escreveu vários diários de viagem onde combinou o relato detalhado das suas perceções com poesia e teoria de arte. No final do primeiro diário, Nozarashi Kiko, deixa já transparecer uma maior serenidade. Em 1689, Basho iniciou a famosa viagem de Oku-no-hosomichi (na edição inglesa, "The Narrow Road to the Far North"). A prosa poética contida neste relato é considerada sem paralelo na literatura mundial. Esta obra evidencia o conceito de sabi, de identificação do homem com a natureza. Durante esta viagem começou a pensar a poesia em termos mais filosóficos, preocupando-se com a relação entre temporal e eterno. A partir do outono de 1689, e durante dois anos, fez curtas viagens na região de Kyoto. Nessa época trabalhou numa antologia, Sarumino ("o Impermeável do Macaco") em que expressava os princípios estéticos que adotara.

Basho é reverenciado sobretudo por ter dado ao haiku uma dimensão espiritual, impregnada do espírito Zen, aproximando este género de kado (a via da poesia) enquanto caminho para a perfeição. Sob a sua influência o haiku, até aí considerado quase exclusivamente como um passatempo social, tornou-se num dos géneros mais apreciados e cultivados da poesia japonesa. (Daqui)
 
 

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