Bohumil Kubista, Hypnotiser, 1912, Galerie výtvarných uměni, Ostrava.
Poema dos Dons
Ninguém rebaixe a lágrima ou censura
Esta declaração da maestria
De Deus, que com magnífica ironia
Me deu mil livros e uma noite escura.
Me deu mil livros e uma noite escura.
Desta terra de livros fez senhores
A olhos sem luz, que apenas se concedem
Sonhar com bibliotecas e com cores
De insensatos parágrafos que cedem
A olhos sem luz, que apenas se concedem
Sonhar com bibliotecas e com cores
De insensatos parágrafos que cedem
As manhãs ao seu fim. Em vão o dia
Lhes oferta seus livros infinitos,
Árduos como esses árduos manuscritos
Que pereceram em Alexandria.
Lhes oferta seus livros infinitos,
Árduos como esses árduos manuscritos
Que pereceram em Alexandria.
De fome e sede (narra a história grega)
Morre um rei entre fontes e jardins;
Eu erro sem cessar pelos confins
Dessa alta e funda biblioteca cega.
Enciclopédias, atlas, o Oriente
E o Ocidente, eras, dinastias,
Símbolos, cosmos e cosmogonias
Brindam os muros, mas inutilmente.
Lento nas sombras, a penumbra e o nada
Exploro com o báculo indeciso,
Eu, que me figurava o Paraíso
Como uma biblioteca refinada.
Algo, que nomear ninguém se atreva
Com a palavra acaso, arma os eventos;
Outro já recebeu noutros cinzentos
Ocasos os mil livros e esta treva.
Ao errar pelas lentas galerias
Chego a sentir com vago horror sagrado
Que sou o outro, o morto, tendo dado
Os mesmos passos pelos mesmos dias.
Qual de nós dois escreve este poema
De um eu plural e de uma mesma mente?
Que importa o verbo que me faz presente
Se é uno e indivisível o dilema?
Groussac ou Borges, olho este querido
Mundo que se deforma e que se apaga
Em uma pálida poeira vaga
Que se parece ao sonho e ao olvido.
Morre um rei entre fontes e jardins;
Eu erro sem cessar pelos confins
Dessa alta e funda biblioteca cega.
Enciclopédias, atlas, o Oriente
E o Ocidente, eras, dinastias,
Símbolos, cosmos e cosmogonias
Brindam os muros, mas inutilmente.
Lento nas sombras, a penumbra e o nada
Exploro com o báculo indeciso,
Eu, que me figurava o Paraíso
Como uma biblioteca refinada.
Algo, que nomear ninguém se atreva
Com a palavra acaso, arma os eventos;
Outro já recebeu noutros cinzentos
Ocasos os mil livros e esta treva.
Ao errar pelas lentas galerias
Chego a sentir com vago horror sagrado
Que sou o outro, o morto, tendo dado
Os mesmos passos pelos mesmos dias.
Qual de nós dois escreve este poema
De um eu plural e de uma mesma mente?
Que importa o verbo que me faz presente
Se é uno e indivisível o dilema?
Groussac ou Borges, olho este querido
Mundo que se deforma e que se apaga
Em uma pálida poeira vaga
Que se parece ao sonho e ao olvido.
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“Quase Borges: 20 transpoemas e uma entrevista”.
Tradução de Augusto de Campos.
Bohumil Kubišta (Vlčkovice, 21 de agosto de 1884—Praga, 27 de novembro de 1918) foi um pintor checo. A sua obra esteve entre o expressionismo e o cubismo. Influenciado por Van Gogh e Cézanne, foi membro temporalmente do grupo expressionista alemão Die Brücke. De formação autodidata, interessado pela filosofia e pela óptica, estudou as cores e a construção geométrica da pintura. Juntamente com Emil Filla fundou o grupo artístico Osma em 1907. A sua obra evoluiu desde 1911 para um estilo mais influenciado pelo cubismo. Morreu durante a pandemia da gripe de 1918. (Daqui)
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