domingo, 14 de março de 2021

"Ápice" e "Epígrafe" - Poemas de Mário de Sá-Carneiro

 
William McGregor Paxton (1869 – 1941), The breakfast, 1911


Ápice


O raio de sol da tarde
Que uma janela perdida
Refletiu
Num instante indiferente –
Arde,
Numa lembrança esvaída,
À minha memória de hoje
Subitamente...

Seu efémero arrepio
Ziguezagueia, ondula, foge,
Pela minha retentiva...
— E não poder adivinhar
Por que mistério se me evoca
Esta ideia fugitiva,
Tão débil que mal me toca!...

— Ah, não sei por quê, mas certamente
Aquele raio cadente
Alguma coisa foi na minha sorte
Que a sua projeção atravessou ...

Tanto segredo no destino de uma vida...
É como a ideia de Norte,
Preconcebida,
Que sempre me acompanhou...
 
 
William McGregor Paxton, In the studio, 1905
 

Epígrafe

 
A sala do castelo é deserta e espelhada.
Tenho medo de mim. Quem sou? Donde cheguei?...
Aqui, tudo já foi... Em sombra estilizada,
A cor morreu — e até o ar é uma ruína...
Vem de outro tempo a luz que me ilumina —
Um som opaco me dilui em rei...

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