sábado, 13 de março de 2021

"Vou-me Embora pra Pasárgada" - Poema de Manuel Bandeira


Maxime Maufra, Bridge over the Loire, 1892
 
 

Vou-me Embora pra Pasárgada


Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
 Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada 

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
in  'Libertinagem (1930)'
 
'Libertinagem' é o quarto livro de poemas de Bandeira. Publicado em 1930, é considerado o primeiro livro inteiramente modernista do autor. É composto de 38 poemas escritos entre 1924 e 1930. Na obra, Bandeira abandona o formalismo e opta pela linguagem livre. A temática também é inovadora: cenas do quotidiano, recordações da infância e visão lírica do cenário urbano. Destacam-se os poemas “Evocação do Recife”, “Pneumotórax”, “Andorinha”, “Vou-me embora pra Pasárgada”, dentre outros. 
 
 
 
Maxime Maufra, March Sunlight, Port-Marly, 1902 - 60.3 x 73 cm 


"Os paraísos perdidos estão somente em nós mesmos."

Marcel Proust 
 (1871-1922)
 
 

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