O Festim
Uns atrás de outros, impertinentes,
(Que estranho mundo de fantasmas tão diferentes!)
Ei-los que surgem aos encontrões
No perturbado Mundo Interior...
Uns a puxar por mim aos repelões,
Outros suaves e alicientes
Com falsos gestos de amor...
Uns severos, irados,
Desvairados,
Outros grotescos, histriónicos...
E os mais trágicos de todos – quem diria! –
Os fantasmas irónicos
Da Alegria...
Insinuam-se gentis,
Com doces falas, música nos gestos,
Promessas de oiro, subtis,
E o riso
De quem traz dentro das mãos o Paraíso
E é só pedi-lo que é para nós também...
Ah! Como são amigos! Quem não há de
Abrir tranquilo a porta...
Sentá-los à sua mesa!
Beber o vinho ácido às canecas
E entorná-lo perfumado
Com manchas de rubim sobre as toalhas!...
E olhar as nódoas sobre o linho,
A sorrir,
Sem saber distinguir
Se é sangue ou vinho!
Quebrar as taças e julgar que o ruído
Das lágrimas cortantes das estilhas
São risos claros de cristal...
E coroar a fronte no banquete
Com as coroas de rosas que nos dão,
Sem perceber que as rosas caem, ficam espinhos...
E à saída
Acompanhá-los pelas ruas, a cantar,
E deixar-se arrastar
Indefeso e sozinho,
Como se fosse, ao cabo do caminho,
Ali mesmo o Céu aberto...
E agradecer-lhes iludido
Ao vê-los construir para nosso bem
As fantásticas miragens do Deserto...
E ao acordar, ver-se perdido,
No árido isolamento
Do intérmino areal...
A miragem desfeita como um fumo!...
E para o regresso ao lar,
Um céu sem Sol nem Estrela Polar...
Uma bússola doida!...
E um chão de areia, sem rumo!...
E partir, e sofrer,
E ao cabo, enfim,
Chegar
Exausto, ao lar...
E não ver mais que os restos do festim...
O pão alvo, espezinhado...
A golpear-nos as mãos, taças partidas...
As bilhas entornadas no sobrado...
Cinzas no chão! Lume apagado...
As flores emurchecidas...
(Que estranho mundo de fantasmas tão diferentes!)
Ei-los que surgem aos encontrões
No perturbado Mundo Interior...
Uns a puxar por mim aos repelões,
Outros suaves e alicientes
Com falsos gestos de amor...
Uns severos, irados,
Desvairados,
Outros grotescos, histriónicos...
E os mais trágicos de todos – quem diria! –
Os fantasmas irónicos
Da Alegria...
Insinuam-se gentis,
Com doces falas, música nos gestos,
Promessas de oiro, subtis,
E o riso
De quem traz dentro das mãos o Paraíso
E é só pedi-lo que é para nós também...
Ah! Como são amigos! Quem não há de
Abrir tranquilo a porta...
Sentá-los à sua mesa!
Beber o vinho ácido às canecas
E entorná-lo perfumado
Com manchas de rubim sobre as toalhas!...
E olhar as nódoas sobre o linho,
A sorrir,
Sem saber distinguir
Se é sangue ou vinho!
Quebrar as taças e julgar que o ruído
Das lágrimas cortantes das estilhas
São risos claros de cristal...
E coroar a fronte no banquete
Com as coroas de rosas que nos dão,
Sem perceber que as rosas caem, ficam espinhos...
E à saída
Acompanhá-los pelas ruas, a cantar,
E deixar-se arrastar
Indefeso e sozinho,
Como se fosse, ao cabo do caminho,
Ali mesmo o Céu aberto...
E agradecer-lhes iludido
Ao vê-los construir para nosso bem
As fantásticas miragens do Deserto...
E ao acordar, ver-se perdido,
No árido isolamento
Do intérmino areal...
A miragem desfeita como um fumo!...
E para o regresso ao lar,
Um céu sem Sol nem Estrela Polar...
Uma bússola doida!...
E um chão de areia, sem rumo!...
E partir, e sofrer,
E ao cabo, enfim,
Chegar
Exausto, ao lar...
E não ver mais que os restos do festim...
O pão alvo, espezinhado...
A golpear-nos as mãos, taças partidas...
As bilhas entornadas no sobrado...
Cinzas no chão! Lume apagado...
As flores emurchecidas...
O doce leite derramado e agre...
E em vez de mel:
– Favos de cera e fel
E o vinho nos cristais trocado por vinagre!
E em vez de mel:
– Favos de cera e fel
E o vinho nos cristais trocado por vinagre!
E através das janelas e dos vidros partidos
Da nossa alma,
Sentir numa agonia,
A sacudir-nos, a risada dos fantasmas
Cruel e fria.
Américo Cortez Pinto
Da nossa alma,
Sentir numa agonia,
A sacudir-nos, a risada dos fantasmas
Cruel e fria.
Américo Cortez Pinto
(1896-1979)
In “A Alma e o Deserto”
In “A Alma e o Deserto”
Portugália Editora
Américo Cortez Pinto (1896-1979), fervoroso nacionalista e espírito religioso, formou-se em Medicina, em Coimbra, e exerceu diversos cargos públicos, incluindo o de deputado, durante o Estado Novo. É autor de numerosos trabalhos de caráter médico-social, de investigação histórica, de intervenção cívica e doutrinária, de que se salientam, entre outros, os seguintes títulos: O Ensino da Língua Portuguesa (1936), O Valor da Vontade na História Nacional (1938), Da Famosa Arte da Imprimissão (1948), A Presença da Virgem na Literatura Portuguesa (1953), «Talent de Bien Faire». A Divisa do Infante e a Criação do Estado da Índia (1955), Raízes Históricas, Humanísticas e Científicas da Unidade do Mundo Português (1965), Diónisos, Poeta e Rei (1982).
Como poeta, distinguiu-se, em 1941, ao receber o prémio Antero de Quental, atribuído ao seu livro A Alma e o Deserto,
onde, ao contrário de anteriores publicações, se revela vagamente
prossecussor do movimento modernista. Com efeito, desde o neo-romântico
Lágrimas e Sorrisos (1912), repudiado pelo autor, até ao Poema da Tentação – Nova Teoria da Humildade
(1922), em que a estética neo-romântica surge associada à ascese
cristã, raramente Cortez Pinto se liberta da sua herança finissecular.
O
último livro referido foi oferecido a Pessoa, com uma dedicatória, em
Junho de 1922. Desconhecendo-se qualquer relação de amizade entre os
dois, é provável que o conhecimento se devesse ao conhecido comum, o
pintor Lino António, autor da capa do livro de Cortez Pinto, e
colaborador do nº 1 de Athena, com cinco quadros. (Daqui)
Karl Schmidt-Rottluff, Self-portrait with cigar, 1919
Cigarro
Olho a noite pela
vidraça. Um beijo, que passa,
acende uma estrela.
vidraça. Um beijo, que passa,
acende uma estrela.
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