domingo, 19 de janeiro de 2025

"A conformidade" - Poema de Hélène Monette

 

 
Jane Austen (English novelist, 1775–1817), 1810,
by Cassandra Austen (Amateur English watercolourist
and the elder sister of Jane Austen, 1773–1845).
 


A conformidade


Até os mais amigos
dizem
conforme
o jogo é conforme
o prazer é conforme
no plano da vestimenta, a mulher é conforme
a vida é conforme
ou deslocada

assustadora, a verdade não é verdadeira

como isto é definitivo
nada para escrever um poema à filha
uma carta ao filho
uma lágrima à irmã
nada para escrever por estes dias uma sinfonia
os dias fedem como o aborrecimento

o absurdo tomou conta do aquecimento dos glaciares
não me aborreçam com tudo o que é conforme a este diktat
a esse desgaste
a esse glaciar derretido em negro acorrentado

é possível sonhar com a nascente do conforme
a humanidade desaparecerá antes
o conforme depois
porque tudo é conforme no primeiro como no último
a idiotice é conforme
a mentira é de boa conformidade

eu esperava-vos ali onde vocês me esperavam
sim, mas conforme a quê?

não sei
é a sociedade pesada e maldosa
bonita e conforme
com a cor dos pulmões nas florestas queimadas
é a sociedade na terra de todos
que torna a humanidade conforme
aos bozos da definição plana
o zero é conforme
e o resto, é a terra a um canto
que já não aguenta de tanto suar

nos tempos que correm caminhamos com uma faca nas costas
bem enterrada entre as omoplatas
uma faca sólida, no lugar apropriado
a faca é conforme ao amor que perdura 
entre os dormitórios batidos em neve
entre as ilhas inundadas
isso é exato
tudo está no seu lugar
a lama e o oceano
o cartão do loto
o número errado
e o espetáculo
o grande espetáculo debate-se no ecrã que morre

como isto é cómico, o cómico é conforme
com o cómico
e não há engano
toda esta lógica é patética
o universo gira nos olhos dos nossos bem-amados
calhaus em fogo
no além mais profundo sem igual


Hélène Monette, Poemas
Tradução de Rosa Alice Branco


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