quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

"Depois" - Poema de Manuel António Pina



Jean Metzinger (French painter, theorist, writer, critic and poet, 1883 - 1956),
  L'Oiseau bleu (The Blue Bird), c. 1912–1913, oil on canvas, 230 x 196 cm.
 


Depois


Primeiro sabem-se as respostas.
As perguntas chegam depois,
como aves voltando a casa ao fim da tarde
e pousando, uma a uma, no coração
quando o coração já se recolheu
de perguntas e de respostas.

Que coração, no entanto, pode repousar
com o restolhar de asas no telhado?
A dúvida agita
os cortinados
e nos sítios mais íntimos da vida
acorda o passado.

Porquê, tão tardo, o passado?
Se ficou por saldar algo
com Deus ou com o Diabo
e se é o coração o saldo
porquê agora, Cobrança,
quando medo e esperança

se recolheram também sob
lembranças extenuadas?

Enche-se de novo o silêncio de vozes despertas,
e de poços, e de portas entreabertas,
e sonham no escuro
as coisas acabadas.


Manuel António Pina,
"Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança", 1999. 
 

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