sábado, 18 de janeiro de 2025

"Quando eu partir" - Poema de Tereza de Mello


Artur Franco (Artista plástico português, n. 1950), Noturno,
 Casa do Arco na cidade de Leiria, s.d.
 
 

Quando eu partir


Quando eu partir
Não chorem nem tenham pena.
Como diz o poema,
Fui apenas
Um passarinho que cantava,
A borboleta que voava
Procurando a sua flor,
Como quem busca o amor
Para dar e receber.
Fui pedra puída pelo tempo,
Rolando com marés.
Fui também alguém
Que gostava de viver.
De cantar
E de poder voar.
Rocha desfeita em areia,
Onda rolando em espuma,
Charco que a chuva deixou
E pensava ser espelho
Dos que passavam
E olhavam.
Mas não ficavam…
Fui um bichinho de conta
Enrolado em si mesmo
Como berlinde de vidro,
Brincadeira de criança. 
Fui monte ao longe
Altaneiro
E fui campo de centeio
Ondulando pelo vento.
Fui tudo que a vista alcança
Ou apenas a criança
Que nunca soube crescer.
Não chorem nem tenham pena
Da formiguinha atarefada,
Pois fui tudo
E não fui nada
Nesta vida passageira.
 
 
Tereza de Mello (1927- 2009)
(Pseudónimo de Maria de Lourdes Brandão de Mello)

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