quinta-feira, 26 de junho de 2025

"Irmã cotovia" - Poema de A. M. Pires Cabral

 
 
Pál Szinyei Merse (Hungarian painter and art educator, 1845–1920), Skylark, 1882.
Hungarian National Gallery
 

Irmã cotovia


Vive rente ao solo e é no solo
que faz ninho e sacia a fome
com as coisas do chão e em silêncio.

Porém, quando precisa de cantar,
muda de elemento: deixa a terra,
sobe altíssimo, até onde
nenhum outro pássaro se arrisca.

Dir-se-ia
que precisa de um palco.

Então dos limites do voo, quase imóvel,
vai derramando breves, repetidos
jorros de júbilo, assim como quem diz:
vejam como estou alto, sustentada
por tão frágeis asas.

Depois que desafogou o peito
das inadiáveis premências da voz,
apeia-se, torna ao solo,
dissimula-se na cor parda da terra,

como se nunca tivesse voado. 


A. M. Pires Cabral, in Arado, 2009


 
[A laverca, laverca-eurasiática ou laverca-comum (Alauda arvensis) é uma ave passeriforme da família dos Alaudídeos, presente em Portugal, assumindo-se como o tipo de cotovia mais comum na Europa.]
 

Cotovia
 
Na floresta fria,
Sem apego a nada,
Canta a cotovia.


Haicai de Matsuo Bashō
Tradução livre de R. D. Diéguez e Bernardo Souto.
(daqui)

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