Camels, 1941, National Gallery of Modern Art, New Delhi.
Oração do camelo
Senhor,
não te ofendas.
Não há nada como o orgulho
contra a sede, as miragens,
e as tempestades de areia!
não te ofendas.
Não há nada como o orgulho
contra a sede, as miragens,
e as tempestades de areia!
E eu devo dizer
que para enfrentar e ultrapassar
estes áridos dramas do deserto,
duas bossas
não são demasiado,
nem tão pouco um lábio arrogante.
Algumas pessoas criticam
as minhas quatro patas,
as nodosidades das minhas articulações,
mas como é que faria
com tacões altos,
para atravessar tantos países,
tantos sonhos inconstantes,
e proteger a minha dignidade?
O meu coração atormenta-se
com os gritos dos chacais e das hienas,
com o silêncio ardente,
com a magnitude das suas estrelas frias.
Dou-te graças, Senhor,
por este meu reino,
espaçoso como os meus sonhos
e a largura dos meus passos.
Carregando a minha realeza
na curva aristocrática do meu pescoço
de oásis para oásis,
um dia será que vou encontrar de novo
a caravana dos magos
e as portas do Teu paraíso?
Carmen Bernos de Gasztold
Tradução de Jorge de Sousa Braga, in "Animal Animal",
Assírio & Alvim, fev. 2005, página 48.

"Animal Animal - Um Bestiário Poético"
de Jorge Sousa Braga
Edição/reimpressão: 09-2011
Editor: Assírio & Alvim
SINOPSE
Quantos animais (para além de nós) existirão à face da terra? Ninguém é capaz de responder a esta questão. Só sabemos que são inumeráveis como as estrelas do céu. Muitos de nós vivem como se eles não existissem. Contudo, somos companheiros de viagem. E simultaneamente o produto dessa viagem. A maioria deles partiu muito antes de nós. Só muito recentemente nos juntámos a eles. O nosso futuro e o deles são indissociáveis. A nossa história conjunta é uma história de fascínio e de repulsa, de extermínio e de amor.
Os primeiros poemas sobre animais são provavelmente tão velhos como a própria poesia. Há um poema dos «inuit» que fala de um tempo em que as palavras eram mágicas e em que os homens se podiam transformar em animais e os animais em homens. Todos eles falavam a mesma linguagem. Com o passar dos milénios perdemos essas capacidades. Já não nos podemos transformar em animais (e vice-versa) e as palavras deixaram de ser mágicas. Passaram a ser apenas palavras e a magia uma palavra entre elas. […]
Um provérbio japonês diz que «todo o animal, até o mais pequeno, tem uma alma». Procurei os poemas em que se podia ver essa «alma». Espero que ela seja também percetível a olhos desabituados. – Jorge de Sousa Braga (daqui)
Os primeiros poemas sobre animais são provavelmente tão velhos como a própria poesia. Há um poema dos «inuit» que fala de um tempo em que as palavras eram mágicas e em que os homens se podiam transformar em animais e os animais em homens. Todos eles falavam a mesma linguagem. Com o passar dos milénios perdemos essas capacidades. Já não nos podemos transformar em animais (e vice-versa) e as palavras deixaram de ser mágicas. Passaram a ser apenas palavras e a magia uma palavra entre elas. […]
Um provérbio japonês diz que «todo o animal, até o mais pequeno, tem uma alma». Procurei os poemas em que se podia ver essa «alma». Espero que ela seja também percetível a olhos desabituados. – Jorge de Sousa Braga (daqui)

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