domingo, 8 de janeiro de 2017

"Retrato" - Poema de Jerónimo Baía


Alexander Roslin, (Swedish, 1718-1793), The artist Anne Vallayer-Coster, 1783



Retrato


Pintar o rosto de Márcia 
Com tal primor determino, 
Que seja logo seu rosto 
Pela pinta conhecido. 

Anda doido de prazer 
Seu cabelo por tão lindo, 
Pois mal lhe vai uma onda, 
Quando outra já lhe tem vindo.
Sua testa com seus arcos 
Do Turco Império castigo 
Vencido tem Solimão, 
Meias Luas tem vencido. 

Dormidos seus olhos são, 
Porém Planetas tão ricos 
Nunca já foram sonhados, 
Bem que sempre são dormidos. 

A dormir creio se lançam 
Por ter de mortais, e vivos 
Tão boa fama cobrado, 
Nome tão grande adquirido. 

Entre seus raios se mostra 
O grande nariz bornido, 
Por final que entre seus raios 
Prova o nariz de aquilino. 

Nas taças de suas faces 
Feitas do metal mais limpo, 
Como certos Reverendos, 
Mistura o branco com o tinto. 

As perlas dos dentes alvos, 
Os rubins dos beiços finos 
Tem desdentado o marfim, 
E a cor mais viva comido.
O passadiço da voz 
Nem é neve, nem é vidro, 
Nem mármore, nem marfim, 
Nem cristal, mas passadiço. 

Na maior força de Julho 
Creio que treme de frio, 
Pois tem como neve as mãos 
E os pés como neve frios. 

Que nelas há dois contrários 
Os meus olhos mo têm dito, 
Pois sendo uma fermosura 
São mais pequenas que os chispos. 

No maior rigor do Inverno, 
Na maior calma de Estio, 
Nem tem frio, nem tem calma, 
Nem tem calma, nem tem frio. 

Porque de Inverno, e Verão 
Sempre Primavera há sido, 
Pois sempre veste de Abril, 
E de Maio traz vestido. 

Este é de Márcia o retrato, 
E dirá quem o tem visto, 
Que com ela o seu retrato 
Se parece todo escrito. 

Mas se em coisa alguma erro 
Das que até aqui tenho dito, 
À vista do tal retrato 
Me retrato, e me desdigo. 


Jerónimo Baía
(c. 1620/30-1688)
in 'Fénix'

1 comentário:

Márcia Teresa disse...

Mas que belo poema com o meu nome.... quem sabe se não foi escrito de propósito para mim?

Continua com o teu belo blogue!

Beijinhos tia :-D