sexta-feira, 9 de outubro de 2020

"A ponte" - Poema de Victor Hugo



 François Gall (French/Hungarian, 1912–1987), Promenade sur les quais de Paris, 1946

 

A ponte

 
Diante de mim, a escuridão. A voragem
Que não tem cimo e que nem sequer tem margem
Lá estava, sombria, imensa; nada nela mexia.
Perdido no mundo infinito eu me sentia.
Ao longe, através da sombra, impenetrável véu,
Entrevia-se Deus, pálida estrela no céu.
Clamei: – Ó alma, alma minha! eu precisava,
Para atravessar o abismo cujo fim não vislumbrava,
E para durante a noite até Deus eu ascender,
De construir uma ponte e em mil arcos a estender.
Quem o conseguirá? Ninguém!ó dor! tormento!
Chora! – Um fantasma branco ergueu-se no momento
Em que à sombra um olhar de temor eu deitava.
A forma de uma lágrima esse fantasma mostrava;
Tinha uma fronte de virgem e duas mãos de criança;
Lembrava um lírio que toda a brancura alcança;
As suas duas mãos juntas acendiam uma luz.
Apontou o abismo onde tudo a pó se reduz,
Tão fundo que nem o eco aí segue a sua lei,
E disse-me: – Se quiseres, a ponte construirei.
Para o desconhecido ergui meus olhos do chão.
-Como te chamas? perguntei. Respondeu: – A oração.

(Jersey, dezembro 1852)


Victor Hugo
, 
em “Poemas: Victor Hugo”
[seleção e tradução Manuela Parreira da Silva]
Lisboa: Editora Assirio & Alvim, 2002.


François Gall, Lumière d'Automne, Canal Saint-Martin, Paris


 François Gall, Animation around the Statue of Danton, Odeon Metro Station 


François Gall, Notre Dame, Paris
 

François Gall, La rue Norvins, Montmartre au 14 juillet, c. 1947-1949
 
 
François Gall, Rue de Senlis, 1947
 
 
 "A civilização consiste em aprendermos a fazer naturalmente tudo o que não é natural."
 
Ana Hatherly, in Tisanas 
 
 

Sem comentários: