segunda-feira, 19 de outubro de 2020

"Via-Láctea" - 7 Sonetos (I a VII) de Olavo Bilac


 

Sonetos

I

Talvez sonhasse, quando a vi. Mas via
Que, aos raios do luar iluminada
Entre as estrelas trémulas subia
Uma infinita e cintilante escada.

E eu olhava-a de baixo, olhava-a... Em cada
Degrau, que o ouro mais límpido vestia,
Mudo e sereno, um anjo a harpa doirada,
Ressoante de súplicas, feria...

Tu, mãe sagrada! Vós também, formosas
Ilusões! Sonhos meus! Íeis por ela
Como um bando de sombras vaporosas.

E, ó meu amor! Eu te buscava, quando
Vi que no alto surgias, calma e bela,
O olhar celeste para o meu baixando ...

II

Tudo ouvirás, pois que, bondosa e pura,
Me ouves agora com melhor ouvido:
 Toda a ansiedade, todo o mal sofrido
 Em silêncio, na antiga desventura...
 
 Hoje, quero, em teus braços acolhido,
 Rever a estrada pavorosa e escura
 Onde, ladeando o abismo da loucura,
 Andei de pesadelos perseguido.
 
 Olha-a: torce-se toda na infinita
 Volta dos sete círculos do inferno...
 E nota aquele vulto: as mãos eleva,
 
 Tropeça, cai, soluça, arqueja, grita,
 Buscando um coração que foge, e eterno
 Ouvindo-o perto palpitar na treva.
 
 III 
 
Tantos esparsos vi profusamente 
Pelo caminho que, a chorar, trilhava!
 Tantos havia, tantos! E eu passava
 Por todos eles frio e indiferente...
 
 Enfim! enfim! Pude com a mão tremente
 Achar na treva aquele que buscava...
 Por que fugias, quando eu te chamava,
 Cego e triste, tateando, ansiosamente?
 
 Vim de longe, seguindo de erro em erro,
 Teu fugitivo coração buscando
 E vendo apenas corações de ferro.
 
 Pude, porém, tocá-lo soluçando...
 E hoje, feliz, dentro do meu o encerro,
 E ouço-o, feliz, dentro do meu pulsando.
 
 IV
 
 Como a floresta secular, sombria,
 Virgem do passo humano e do machado,
 Onde apenas, horrendo, ecoa o brado
 Do tigre, e cuja agreste ramaria
 
 Não atravessa nunca a luz do dia,
 Assim também, da luz do amor privado,
 Tinhas o coração ermo e fechado,
 Como a floresta secular, sombria...
 
 Hoje, entre os ramos, a canção sonora
 Soltam festivamente os passarinhos.
 Tinge o cimo das árvores a aurora...
 
 Palpitam flores, estremecem ninhos...
 E o sol do amor, que não entrava outrora,
 Entra dourando a areia dos caminhos.
 
 V 
 
Dizem todos: "Outrora como as aves
 Inquieta, como as aves tagarela,
 E hoje... que tens? Que sisudez revela
 Teu ar! que ideias e que modos graves!
 
 Que tens, para que em pranto os olhos laves?
 Sê mais risonha, que serás mais bela!"
 Dizem. Mas no silêncio e na cautela
 Ficas firme e trancada a sete chaves...
 
 E um diz: "Tolices, nada mais!" Murmura
  Outro: "Caprichos de mulher faceira!
" E todos eles afinal: "Loucura!"
 
 Cegos que vos cansais a interrogá-la!
 Vê-la bastava; que a paixão primeira
 Não pela voz, mas pelos olhos fala.
 
 VI
 
 Em mim também, que descuidado vistes,
 Encantado e aumentando o próprio encanto,
 Tereis notado que outras cousas  canto
 Muito diversas das que outrora ouvistes.
 
 Mas amastes, sem dúvida... Portanto,
 Meditais nas tristezas que sentistes:
 Que eu, por mim, não conheço cousas tristes,
 Que mais aflijam, que torturem tanto.
 
 Quem ama inventa as penas em que vive:
 E, em lugar de acalmar as penas, antes
 Busca novo pesar com que as avive.
 
 Pois sabei que é por isso que assim ando:
 Que é dos loucos somente e dos amantes
 Na maior alegria andar chorando.
 
 VII
 
 Não têm faltado bocas de serpentes,
 (Dessas que amam falar de todo o mundo,
 E a todo o mundo ferem, maldizentes)
 Que digam: "Mata o teu amor profundo!
 
 Abafa-o, que teus passos imprudentes
 Te vão levando a um pélago sem fundo...
 Vais te perder!" E, arreganhando os dentes,
 Movem para o teu lado o olhar imundo:
 
 "Se ela é tão pobre, se não tem beleza,
 Irás deixar a glória desprezada
 E os prazeres perdidos por tão pouco?
 
 Pensa mais no futuro e na riqueza!
"E eu penso que afinal... Não penso nada:
 Penso apenas que te amo como um louco! 
in "Via-Láctea", 1888
 
 

Sem comentários: