terça-feira, 20 de outubro de 2020

"Via-Láctea" - 7 Sonetos (XXIX a XXXV) de Olavo Bilac


William McGregor Paxton, The String of Pearls, 1908


Sonetos 

XXIX

Por tanto tempo, desvairado e aflito,
Fitei naquela noite o firmamento,
 Que inda hoje mesmo, quando acaso o fito, 
Tudo aquilo me vem ao pensamento.
 
 Saí, no peito o derradeiro grito
 Calcando a custo, sem chorar, violento... 
E o céu fulgia plácido e infinito,
 E havia um choro no rumor do vento...
 
 Piedoso céu, que a minha dor sentiste!
 A áurea esfera da lua o ocaso entrava,
 Rompendo as leves nuvens transparentes;
 
 E sobre mim, silenciosa e triste, 
 A via-láctea se desenrolava
 Como um jorro de lágrimas ardentes. 
 
XXX 
 
Ao coração que sofre, separado
 Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
 Não basta o afeto simples e sagrado
 Com que das desventuras me protejo.
 
 Não me basta saber que sou amado, 
Nem só desejo o teu amor: desejo
 Ter nos braços teu corpo delicado, 
Ter na boca a doçura de teu beijo.
 
 E as justas ambições que me consomem
 Não me envergonham: pois maior baixeza
 Não há que a terra pelo céu trocar;
 
 E mais eleva o coração de um homem
 Ser de homem sempre e, na maior pureza,
 Ficar na terra e humanamente amar. 
 
XXXI
 
 Longe de ti, se escuto, porventura,
 Teu nome, que uma boca indiferente
 Entre outros nomes de mulher murmura,
 Sobe-me o pranto aos olhos, de repente... 
 
Tal aquele, que, mísero, a tortura
 Sofre de amargo exílio, e tristemente
 A linguagem natal, maviosa e pura,
 Ouve falada por estranha gente.
 
 Porque teu nome é para mim o nome
 De uma pátria distante e idolatrada,
 Cuja saudade ardente me consome:
 
 E ouvi-lo é ver a eterna primavera
 E a eterna luz da terra abençoada,
 Onde, entre flores, teu amor me espera. 
 
XXXII
 A um poeta
 
 Leio-te: - o pranto dos meus olhos rola:
 - Do seu cabelo o delicado cheiro,
 Da sua voz o timbre prazenteiro,
 Tudo do livro sinto que se evola...
 
 Todo o nosso romance: - a doce esmola
 Do seu primeiro olhar, o seu primeiro 
Sorriso, - neste poema verdadeiro, 
Tudo ao meu triste olhar se desenrola.
 
 Sinto animar-se todo o meu passado:
 E quanto mais as páginas folheio,
 Mais vejo em tudo aquele vulto amado.
 
 Ouço junto de mim bater-lhe o seio, 
E cuido vê-la, plácida, a meu lado,
 Lendo comigo a página que leio. 

XXXIII
 
 Como quisesse livre ser, deixando
 As paragens natais, espaço em fora,
 A ave, ao bafejo tépido da aurora,
 Abriu as asas e partiu cantando.
 
 Estranhos climas, longes céus, cortando
 Nuvens e nuvens, percorreu: e, agora
 Que morre o sol, suspende o voo, e chora,
 E chora, a vida antiga recordando...
 
 E logo, o olhar volvendo compungido 
Atrás, volta saudosa do carinho,
 Do calor da primeira habitação...
 
 Assim por largo tempo andei perdido:
 Ah! que alegria ver de novo o ninho,
 Ver-te, e beijar-te a pequenina mão! 

XXXIV
 
 Quando adivinha que vou vê-la, e à escada
 Ouve-me a voz e o meu andar conhece,
 Fica pálida, assusta-se, estremece,
 E não sei por que foge envergonhada.
 
 Volta depois. À porta, alvoroçada,
 Sorrindo, em fogo as faces, aparece:
 E talvez entendendo a muda prece
 De meus olhos, adianta-se apressada.
 
 Corre, delira, multiplica os passos; 
E o chão, sob os seus passos murmurando, 
Segue-a de um hino, de um rumor de festa...
 
 E ah! que desejo de a tomar nos braços,
 O movimento rápido sustando
 Das duas asas que a paixão lhe empresta. 

XXXV 
 
Pouco me pesa que mofeis sorrindo
 Destes versos puríssimos e santos:
 Porque, nisto de amor e íntimos prantos,
 Dos louvores do público prescindo. 
 
Homens de bronze! um haverá, de tantos,
 (Talvez um só) que, esta paixão sentindo,
 Aqui demore o olhar, vendo e medindo
 O alcance e o sentimento destes cantos.
 
 Será esse o meu público. E, decerto, 
Esse dirá: "Pode viver tranquilo
 Quem assim ama, sendo assim amado!
 
"E, trémulo, de lágrimas coberto,
 Há de estimar quem lhe contou aquilo
 Que nunca ouviu com tanto ardor contado.


Olavo Bilac
in "Via-Láctea", 1888
 
 
Olavo Bilac
 
 
Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac, jornalista, poeta, inspetor de ensino, nasceu no Rio de Janeiro, em 16 de dezembro de 1865, e faleceu, na mesma cidade, em 28 de dezembro de 1918, com apenas 53 anos.
 
Eram seus pais o Dr. Braz Martins dos Guimarães Bilac e D. Delfina Belmira dos Guimarães Bilac. Após os estudos primários e secundários, matriculou-se na Faculdade de Medicina no Rio de Janeiro, mas desistiu no 4º. ano. Tentou, a seguir, o curso de Direito em São Paulo, mas não passou do primeiro ano. Dedicou-se desde cedo ao jornalismo e à literatura. Teve intensa participação na política e em campanhas cívicas, das quais a mais famosa foi em favor do serviço militar obrigatório. 
 
Um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, criou a Cadeira nº. 15, que tem como patrono Gonçalves Dias. Fundou vários jornais, de vida mais ou menos efémera, como A Cigarra, O Meio, A Rua
Na seção “Semana” da Gazeta de Notícias, substituiu Machado de Assis, trabalhando ali durante anos. É o autor da letra do Hino à Bandeira
Fazendo jornalismo político nos começos da República, foi um dos perseguidos por Floriano Peixoto. Teve que se esconder em Minas Gerais, quando frequentou a casa de Afonso Arinos em Ouro Preto. 
 
No regresso ao Rio, foi preso. Em 1891, foi nomeado oficial da Secretaria do Interior do Estado do Rio e em 1898, inspetor escolar do Distrito Federal, cargo em que se aposentou, pouco antes de falecer. Foi também delegado em conferências diplomáticas e, em 1907, secretário do prefeito do Distrito Federal. Em 1916, fundou a Liga de Defesa Nacional.
 
Olavo Bilac não constituiu família, seu grande amor foi Amélia de Oliveira irmã do poeta Alberto de Oliveira. Chegaram a ficar noivos, mas por causa do outro irmão dela o noivado foi desfeito. (Com a morte do pai, o irmão de Amélia que assumiu o posto de patriarca da família, impediu o noivado com Bilac, alegando que o poeta era muito boémio para a sua irmã. Ambos sofreram com essa decisão, nenhum se casou posteriormente e continuaram trocando poemas de amor.) Essa paixão inspirou boa parte dos sonetos da Via Láctea, composto por 35 sonetos. 
 
A obra poética de Olavo Bilac enquadra-se no Parnasianismo, que teve na década de 1880 a fase mais fecunda. Embora não tenha sido o primeiro a caracterizar o movimento parnasiano, só em 1888 publicou Poesias, tornando-se o mais típico dos parnasianos brasileiros, ao lado de Alberto de Oliveira e Raimundo Correia.

Fundindo o Parnasianismo francês e a tradição lusitana, Olavo Bilac deu preferência às formas fixas do lirismo, especialmente ao soneto. Nas duas primeiras décadas do século XX, seus sonetos de chave de ouro eram decorados e declamados em toda parte, nos saraus e salões literários comuns na época.
 
Nas Poesias encontram-se os famosos sonetos de “Via-Láctea” e a “Profissão de Fé”, na qual codificou o seu credo estético, que se distingue pelo culto do estilo, pela pureza da forma e da linguagem e pela simplicidade como resultado do lavor. 

Ao lado do poeta lírico, há nele um poeta de tonalidade épica, de que é expressão o poema “O caçador de esmeraldas”, celebrando os feitos, a desilusão e morte do bandeirante Fernão Dias Pais. 

Bilac foi, no seu tempo, um dos poetas brasileiros mais populares e mais lidos do país, tendo sido eleito o “Príncipe dos Poetas Brasileiros”, no concurso que a revista Fon-fon lançou em 1º. de março de 1913.
 
Alguns anos mais tarde, os poetas parnasianos seriam o principal alvo do Modernismo. Apesar da reação modernista contra a sua poesia, Olavo Bilac tem lugar de destaque na literatura brasileira, como dos mais típicos e perfeitos dentro do Parnasianismo brasileiro. Foi notável conferencista, numa época de moda das conferências no Rio de Janeiro, e produziu também contos e crónicas. (Daqui)


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