Alfred Sisley (Impressionist landscape painter, 1839-1899), Boat in the Flood at Port Marly, 1876.
Musée d'Orsay
Círculo
Viver devagar, correr
atrás de impreciso norte,
será melhor?... vive mais
quem mais tem medo da morte.
Em certo velho combate
entrei sem brilhos de espada:
com medo heróico da vida
não fui herói não fui nada...
Propus a um herói ferido,
junto de mim na agonia,
que me dando a sua morte
minha vida lhe daria.
Porém a sua resposta
— oh heróico instinto da ação!
foi, temendo ainda a morte,
tentar ferir-me à traição!
Antes da morte cumprir
o seu gesto foi cortado:
não sei o que havia em mim
ao seu olhar admirado.
Vi-o morto olhando sempre...
Sob o luar que nasceu
seus olhos eram espelho
de uma luz estranha ao Céu!
Ah era luz minha, aquela,
há tanto tempo escondida
no encanto da rapidez
— vagar da morte na vida:
Um voo esfumando asas,
um grito medindo altura,
e uma cor animada
por lampejos de escultura;
Lábios dum beijo ficando
para a primeira oração;
luz de canção no mar alto
correndo na cerração.
Rendas de torres esguias
de onde o olhar é uma estrela
que nunca descobre Deus,
mesmo longe, e fora de ela;
E ainda o mais que é na vida
o que é na noite uma festa
e é dormir em pleno dia
com vida que a morte empresta.
Luz feita, pirotecnia,
e balões venezianos,
fazem que o Sol não demore
o tempo de anos e anos...
Herói que sempre dormiste
à noite, fazendo dia!
nunca te vi nem me viste
senão na tua agonia.
Tu morrendo e eu vivendo,
quase atingimos limites.
A luz que em ti vi foi antes
tua em mim — ficamos quites.
Luz que se abriu em paisagens
contrárias, mas dum recorte:
que a ti fez medo da vida
e a mim fez medo da morte.
Edmundo Bettencourt
Círculo
Viver devagar, correr
atrás de impreciso norte,
será melhor?... vive mais
quem mais tem medo da morte.
Em certo velho combate
entrei sem brilhos de espada:
com medo heróico da vida
não fui herói não fui nada...
Propus a um herói ferido,
junto de mim na agonia,
que me dando a sua morte
minha vida lhe daria.
Porém a sua resposta
— oh heróico instinto da ação!
foi, temendo ainda a morte,
tentar ferir-me à traição!
Antes da morte cumprir
o seu gesto foi cortado:
não sei o que havia em mim
ao seu olhar admirado.
Vi-o morto olhando sempre...
Sob o luar que nasceu
seus olhos eram espelho
de uma luz estranha ao Céu!
Ah era luz minha, aquela,
há tanto tempo escondida
no encanto da rapidez
— vagar da morte na vida:
Um voo esfumando asas,
um grito medindo altura,
e uma cor animada
por lampejos de escultura;
Lábios dum beijo ficando
para a primeira oração;
luz de canção no mar alto
correndo na cerração.
Rendas de torres esguias
de onde o olhar é uma estrela
que nunca descobre Deus,
mesmo longe, e fora de ela;
E ainda o mais que é na vida
o que é na noite uma festa
e é dormir em pleno dia
com vida que a morte empresta.
Luz feita, pirotecnia,
e balões venezianos,
fazem que o Sol não demore
o tempo de anos e anos...
Herói que sempre dormiste
à noite, fazendo dia!
nunca te vi nem me viste
senão na tua agonia.
Tu morrendo e eu vivendo,
quase atingimos limites.
A luz que em ti vi foi antes
tua em mim — ficamos quites.
Luz que se abriu em paisagens
contrárias, mas dum recorte:
que a ti fez medo da vida
e a mim fez medo da morte.
Edmundo Bettencourt
Alfred Sisley, The Banks of the Loing at Moret, 1885.
Nebulosa
Certo passado audaz, revivo
apenas, sob um céu menos escuro:
se eu vivo para o futuro
quer dizer que já o vivo.
Futuro!
Quando te posso ver, por ti plena aurora,
condena-te a presença,
és este agora
que eu possuo
como a abelha suga a rosa;
e sem que o resto me importe...
Mas antes ou depois ver-te ou pensar-te
é ver uma nebulosa...
— é como pensar na morte...
apenas, sob um céu menos escuro:
se eu vivo para o futuro
quer dizer que já o vivo.
Futuro!
Quando te posso ver, por ti plena aurora,
condena-te a presença,
és este agora
que eu possuo
como a abelha suga a rosa;
e sem que o resto me importe...
Mas antes ou depois ver-te ou pensar-te
é ver uma nebulosa...
— é como pensar na morte...
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