segunda-feira, 8 de abril de 2024

"Escritor, escritório" - Poemas de Armando Freitas Filho


Pierre-Auguste Renoir (French artist, 1841–1919), The Reader: Portrait of  Edmond Maître 
 (French writer, musician, and art collector, 1840–1898), 1871, Private Collection.
 


Escritor, escritório


Não transponho Camões, mas me empenho.
Não atravesso seu mar manuscrito
porque me afogo na incompreensão
no enfado, no palavreado castiço
na análise sintática dos seus versos
onde erro na prova urgente, aflita
sem ouvi-los soar na página a pleno
de difícil lida, da ilimitada luta
na travessia da linha, da estrofe
empolgante, empolada, que arrebata
a vastidão do céu desconhecido
que vai se descobrindo, nuvem por nuvem
até o sol nomear a praia do primeiro passo.


Armando Freitas Filho, in 'Rol', 2016, p. 11
 


Armando Freitas Filho, 'Rol', 144 páginas.
Companhia das Letras, 2016 
 
 
RESUMO
"ROL"

Trazendo a morte como pano de fundo, a poética corajosa, madura e sensível de um dos maiores autores em atividade do Brasil.
 
Na obra de Armando Freitas Filho, diversificada ao longo de mais de cinquenta anos de trabalho poético, "Lar", (2009), "Dever" (2013) e este "Rol" formam uma trilogia involuntária. O clima dos três livros é o mesmo. Temas são tratados com minúcia e relevância, e questões de ordem quotidiana, filosófica, memorial, erótica e lírica vão sendo retomadas, revistas por ângulos diferentes ou repisadas na tentativa de conquistar maior densidade e conhecimento na nova elaboração. À diferença dos livros anteriores, este se estrutura através de dez séries de poemas e três longos: "Canetas emprestadas", "Suíte para o Rio" e "De roldão". Sob os títulos gerais, cada uma das séries vai analogicamente abrindo o leque do assunto motivador das correlações, dispostas no desenvolvimento da composição. Algumas delas incorporaram subtítulos que se impuseram no curso da escrita. E o livro se encerra com "Numeral", que vem sendo realizado desde 1999. A poesia dos numerais não acaba, ela continuará no próximo ou nos próximos livros, sem prazo de fechamento, na linha virtual do horizonte. A sequência dos capítulos trata, como diz o "Poema-prefácio", "de tudo um pouco", tendo como pano de fundo a morte vista de perto pelo poeta. A obra, por isso mesmo, é austera: escrita com afinco e coragem. Não chega a ser um livro de despedida, uma vez que muito ficou de fora deste volume. O autor ainda terá o que dizer a seus leitores, pois o conjunto de poemas de Armando Freitas Filho que ficou na gaveta espera sua futura oportunidade, como ele diz em "Rol": "Mas há ainda uma 'melodia trémula'/ que vale a pena ouvir, registar como/ acompanhamento do meu tempo particular/ o que seria pouco, mas que desse ao menos/ uma pala do tempo de todo mundo". (daqui)
 

Poema-prefácio

 
O rol desenrolado aqui
acolhe de tudo um pouco.
Coisas de cama, mesa, banho
um trivial variado, familiar
estranho, com uma pitada de déjà-vu
e o apanhado na rua, andando:
às vezes tão urgente e passageiro
que sem “nada no bolso ou nas mãos”
pedia canetas emprestadas
e um papel qualquer, onde
escrevia calcando, com letra
garranchosa, de dentro, imediata
e torta, mas que se aplicava
exata, naquilo que corria
por fora do escritório da cabeça
no vento livre de véu, a céu aberto
ou quando não, no nó apertado
cego, difícil de desmanchar
o que apressava o ponto final.
 

Armando Freitas Filho, in 'Rol', 2016, p. 5
 
 
Pierre-Auguste Renoir, Conversation in Rose Garden, 1876. Private Collection.

 

"A vida é um viajante que deixa a sua capa arrastar atrás de si, para que lhe apague o sinal dos passos".
 
"La vie est un voyageur qui laisse traîner son manteau derrière lui, pour effacer ses traces." 
 
 Publicado por Gallimard, 1947 - 630 páginas. 
 
 

Louis Aragon
(Poète, romancier et journaliste français, 1897–1982),
 1936. Photo d'Henri Manuel (Photographe français, 1874–1947). (daqui)


Escritor e homem de letras francês, Louis Aragon nasceu com o nome de Louis Andrieux a 3 de outubro de 1897, em Paris. 
Filho dos proprietários de uma pensão situada num bairro abastado da cidade, terminou o ensino secundário no Liceu Carnot em 1916, pelo que se pôde matricular no curso de Medicina da Universidade de Paris. Como decorria na altura a Primeira Grande Guerra, Aragon teve que interromper os seus estudos, ao ser convocado para o serviço militar, que cumpriu na qualidade de médico auxiliar.
Terminada a guerra, e enquanto retomava o seu curso, conheceu André Breton, que o pôs em contacto com as andanças do Dadaísmo e do Surrealismo. Em consequência, co-fundou com este e com Philippe Soupault, uma revista caracterizada por uma crítica social cáustica e astuta, dirigida essencialmente aos valores da burguesia, e que levava o nome de Littérature.
Louis Aragon estreou-se como poeta em 1920, ao publicar a sua primeira coletânea Feu de Joie, obra que demonstrava a ferocidade do Dadaísmo em relação ao comodismo da sociedade francesa da época. Seguiram-se Anicet; ou, Le Panorama (1921), romance que procurava parodiar a figura do pintor espanhol Pablo Picasso e, entre outras obras, Le Libertinage (1924), uma compilação de contos que apontavam uma transição para o Surrealismo, Le Mouvement Perpétuel (1925), uma sátira ao pedantismo dos poetas, e Le Paysan de Paris (1926), narrativa irónica em que Aragon estudava a mentalidade do parisiense.
No ano de 1928 conheceu Elsa Triolet, uma escritora russa, cunhada do poeta Vladimir Mayakovsky, e que não só teve uma influência importante no trabalho de Aragon, como veio também a tornar-se sua esposa. Afiliando-se no Partido Comunista, o escritor decidiu empreender, em 1930, uma viagem à então União Soviética. Regressando a Paris, distanciou-se dos surrealistas e, sob a alçada de Mayakovsky, publicou Le Front Rouge (1930), poema que incitava à Revolução, e que valeu ao seu autor uma pena suspensa de cinco anos.
Louis Aragon prosseguiu o seu esforço literário dentro de moldes comunistas, publicando não só ensaios, romances e coletâneas de poemas, como também exercendo jornalismo. Com a deflagração da Guerra Civil Espanhola, combateu ao lado dos Republicanos e, após a ocupação de parte do território francês pelas tropas Nacional-Socialistas, juntou-se à Resistência, publicando também artigos na imprensa clandestina. Com Paul Éluard, tornou-se um dos poetas da Resistência (Le Crève-cöur, 1941) e celebrou o amor absoluto em Les Yeux d'Elsa (1942) e, mais tarde, em Le Fou d'Elsa (1963).
Finda a guerra desempenhou um papel de importância em várias publicações, nomeadamente no jornal Ce Soir e na revista literária Les Lettres Françaises. Retomou uma forma clássica com os romances La Mise à mort (1965) e Blanche ou l'oubli (1967), que correspondem à sua última fase.
Manteve-se um estalinista convicto até 1968, altura em que os blindados soviéticos invadiram a Checoslováquia, depois da chamada primavera de Praga. Descontente com as notícias do massacre, mitigou as suas opiniões políticas.
Tido como um dos fundadores do Surrealismo, Louis Aragon faleceu em Paris, na véspera de Natal de 1982. (daqui)
 

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