Wilhelm Bendz (Danish painter, 1804–1832), Room in Amaliegade with the Artist's Brothers
(Captain Carl Ludvig Bendz standing and Dr. Jacob Christian Bendz seated), c. 1826.
Hirschsprung Collection
(Captain Carl Ludvig Bendz standing and Dr. Jacob Christian Bendz seated), c. 1826.
Hirschsprung Collection
Silvestre e o idioma
Silvestre quer saber
porque razão eu estrago o português
porque razão eu estrago o português
escrevendo palavras que nem há.
Não é a pessoa que escolhe a palavra.
É o inverso.
Isso eu podia ter respondido.
Mas não.
O tudo que disse foi:
é um crime passional, Silvestre.
É que eu amo tanto a Vida
que ela não tem
cabimento em nenhum idioma.
Silvestre sorriu.
Afinal, também ele já cometera
o idêntico crime:
todas as mulheres que amara
ele as rebatizara, vezes sem fim.
Amor se parece com a Vida:
ambos nascem na sede da palavra,
ambos morrem na palavra bebida.
Mia Couto, in "Idades, cidades, divindades",
Lisboa: Editora Caminho, 2007.
Não é a pessoa que escolhe a palavra.
É o inverso.
Isso eu podia ter respondido.
Mas não.
O tudo que disse foi:
é um crime passional, Silvestre.
É que eu amo tanto a Vida
que ela não tem
cabimento em nenhum idioma.
Silvestre sorriu.
Afinal, também ele já cometera
o idêntico crime:
todas as mulheres que amara
ele as rebatizara, vezes sem fim.
Amor se parece com a Vida:
ambos nascem na sede da palavra,
ambos morrem na palavra bebida.
Mia Couto, in "Idades, cidades, divindades",
Lisboa: Editora Caminho, 2007.
SINOPSE
"Idades Cidades Divindades" é uma das raras incursões deste autor na poesia, colocando ao serviço do verso todos os reversos de que a sua língua particular se veste, reveste e tresveste, sempre com uma admirável acutilância na forma de ler o mundo.
Mia Couto nasceu na Beira, Moçambique, em 1955. Foi jornalista e professor, e é, atualmente, biólogo e escritor. Está traduzido em diversas línguas. Entre outros prémios e distinções (de que se destaca a nomeação, por um júri criado para o efeito pela Feira Internacional do Livro do Zimbabwe, de Terra Sonâmbula como um dos doze melhores livros africanos do século xx), foi galardoado, pelo conjunto da sua já vasta obra, com o Prémio Vergílio Ferreira 1999 e com o Prémio União Latina de Literaturas Românicas 2007. Ainda em 2007 Mia foi distinguido com o Prémio Passo Fundo Zaffari & Bourbon de Literatura pelo seu romance O Outro Pé da Sereia. Jesusalém foi considerado um dos 20 livros de ficção mais importantes da «rentrée» literária francesa por um júri da estação radiofónica France Culture e da revista Télérama. Em 2011 venceu o Prémio Eduardo Lourenço, que se destina a premiar o forte contributo de Mia Couto para o desenvolvimento da língua portuguesa. Em 2013 foi galardoado com o Prémio Camões. (daqui)
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