terça-feira, 16 de abril de 2024

“Mater Dolorosa” - Poema de Pedro Homem de Melo


 
Helene Schjerfbeck (Finnish painter, 1862–1946), At Home, 1903
(Depicts Olga Schjerfbeck, the artist's mother)


Mater Dolorosa
 
 
A mãe do poeta chora
E a sua canção inquieta
Parece pedir perdão
Aos homens sem coração
Por ter um filho Poeta...

Na praia, em pequeno, um dia,
Meteu-se à onda bravia,
Que à flor da espuma trazia
Um peixe, cor de luar...
Mas a onda fez-se mansa.
Teve dó dessa criança
Cujo crime era sonhar...

Duma vez à sua porta
Vieram cantar os Reis.
— Ai! a de branco! a de branco!
Fulvo cabelo, aos anéis...
Flor, entre os dedos, singela...
E ele então, logo perdido,
Foi pela rua, atrás dela,
No rastro do seu vestido...

Aos vinte anos, cismador,
Esqueceu que havia as Sortes.
Magrinho, falho de cor...
Por isso os mais, que eram fortes
(Os que tinham ido às Sortes!)
Lhe chamaram desertor.

Em tardes de romaria
Todo o mundo o viu bailar!
Quando o seu corpo bulia
Subiam torres no ar...
Por fim, calava-se a dança.
E ele, de novo sozinho,
Era de novo a criança,
Que a onda brava, depois mansa
Recolhera no caminho...

Formou-se em Doutor de Leis,
Que pode a idade e os estudos?
Seus olhos ficaram mudos
À letra fria das leis.
Seus olhos só viam dança...

— Ainda era a mesma criança
Que ouvira cantar os Reis!

E a mãe do poeta chora
Com sua canção inquieta.
Parece pedir perdão
Aos homens sem coração
Por ter um filho Poeta...


Pedro Homem de Melo, in "Bodas Vermelhas",
 Editorial Domingos Barreira, 1947.

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