segunda-feira, 1 de abril de 2024

"A pega: as outras cores do mundo" - Poema de Ana Luísa Amaral


Ferdinand von Wright (Finnish painter, 1822 - 1906), Magpies round a Dead Woodgrouse, 1867,
 

A pega: as outras cores do mundo


No jardim tangente à minha casa
por entre os pássaros
que lhe habitam as árvores e cantam
em trinado desacerto,
vive uma pega

O seu nome não é um nome belo
como andorinha ou rouxinol,
que lembram odes e mornas tradições,
ou como arara, quetzal ou beija-flor,
nomes felizes com as cores inteiras
que o olho humano entende
– e ainda outras
que as entendem eles

Mas ela, elegante no corpo todo negro, a cauda longa,
só laivo a branco leve na asa e pelo peito,
parece que vestiu alta-costura
para voar pelos ramos de outono e
os telhados das casas
que estão perto

Dizem os entendidos
que reconhece ao espelho o seu reflexo,
algo que ao bicho humano
exige anos de vida

Nestes dias tão magros
em que os cavalos do apocalipse e espanto
cavalgam livres, trazendo novas pestes, guerras, fomes,
é um prazer de afago
alegria sem nome
vê-la todos os dias a voar

equilibrista bicolor,
dona do mundo


Ana Luísa Amaral
, in Mundo,
Assírio & Alvim, 2021 
 
 
Ana Luísa Amaral, "Mundo". Editor: Assírio & Alvim,
Edição/reimpressão: 12-2021.

 
Sinopse

"Mundo" – Tecendo o fio que liga o texto à vida, Ana Luísa Amaral convoca-nos para uma paisagem de sons ao compasso dos cheiros, cores que constituem este Mundo: a abelha e a flor em descanso, a mesa e a faca pousada, ou as gentes e as suas interrogações. (daqui)
 
 
Ferdinand von Wright, Pigs and Magpies, 1875, Finnish National Gallery


A Pega-rabuda ou pega-rabilonga (Pica pica) é uma ave da família Corvidae (corvos), com um aspeto inconfundível. Essa é uma das espécies de aves mais inteligentes do mundo, sendo uma das 9 espécies que podem reconhecer seu reflexo no espelho.
Os seus hábitos alimentares (come quase tudo) deram origem a que o nome da espécie – Pica – fosse dado a uma doença de comportamento humano. (daqui)
 

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