quinta-feira, 4 de abril de 2024

"Geração Paissandu" - Poema de Paulo Henriques Britto



James McNeill Whistler (American painter and printmaker, 1834–1903),
Arrangement in Grey and Black No. 2: Portrait of Thomas Carlyle, 1872-73,
Kelvingrove Art Gallery and Museum in Glasgow, Scotland. 
 
 

Geração Paissandu



Vim, como todo mundo,
do quarto escuro da infância,
mundo de coisas e ânsias indecifráveis,
de só desejo e repulsa.
Cresci com a pressa de sempre.

Fui jovem, com a sede de todos,
em tempo de seco fascismo.
Por isso não tive pátria, só discos.
Amei, como todos pensam.
Troquei carícias cegas nos cinemas,
li todos os livros, acreditei
em quase tudo por ao menos um minuto,
provei do que pintou, adolesci.

Vi tudo que vi, entendi como pude.
Depois, como de direito,
endureci. Agora a minha boca
não arde tanto de sede.
As minhas mãos é que coçam -
vontade de destilar
depressa, antes que esfrie,
esse caldo morno da vida.

Paulo Henriques Britto,
in "Os cem melhores poemas brasileiros do século."
Rio de Janeiro: objetiva, 2001. Org. de Ítalo Moriconi

 

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