Adeus
Sim, vou partir.
E não levo saudade
de ninguém…
Nem em ti penso agora!…
Julgavas que a tristeza desta hora
fosse maior que a firme vontade
que eu pus em destruir
o luminoso fio de ternura
que me prendia ao teu olhar?…
Julgaste mal:
Eu sei amar,
mas meu amor,
o que eu não sei
é ser banal!
Mas por que vim eu escrever-te ainda?
Nem eu sei!
Talvez somente
o hábito cortês da despedida
– e o hábito faz lei!
Choro?!… Oh! sim, perdidamente!
Mas sabes tu, porque este pranto
assim amargo, e soluçado vem?
É que na hora da partida
eu nunca pude sem chorar,
dizer adeus a ninguém!
Judith Teixeira, Janeiro, 1926
in 'Antologia Poética'
Judith Teixeira
Judite dos Reis Ramos Teixeira ou Judith Teixeira (Viseu, 25 de Janeiro de 1880 - Lisboa, 17 de Maio de 1959) foi uma escritora portuguesa. Publicou três livros de poesia e um livro de contos, entre outros escritos.
Começou a escrever na adolescência "versos ingénuos, que guardava", (segundo palavras suas) e apareceu no "Jornal da Tarde" com composições em prosa que assinava com pseudónimo. Do seu nome verdadeiro, só haveria notícia em 1922, quando escreveu a maior parte dos poemas que haveriam de ser incluídos nos seu livros "Decadência" e "Castelo de Sombras", publicando também poemas na revista "Contemporânea". O livro "Decadência" saiu em Fevereiro de 1923. Aquilino Ribeiro considerou-a uma "poetisa de valor".
Em Março do mesmo ano, o Governo Civil de Lisboa apreendeu este livro de Judith, assim como as "Canções" de António Botto e "Sodoma Divinizada" de Raul Leal, depois da polémica instalada após a publicação destes livros, apelidados de "imorais", que levaram uns quantos estudantes católicos sedentos de mão pesada, a queixar-se contra a "literatura dissolvente" que "corroía a moral e os costumes".
Três edições implicadas no contexto da "Literatura de Sodoma": liderada por Pedro Teotónio Pereira, a Liga de Acção dos Estudantes de Lisboa [movimento católico criado em 1923] consegue que o Governo Civil interdite os livros Decadência (1922/3) de Judith Teixeira, [a 2ª edição de] Canções (1922) de António Botto e Sodoma Divinizada (1923) de Raul Leal. Em Março de 1923 foram apreendidos e queimados muitos exemplares destes livros.
Os livros foram queimados e Judith Teixeira apelidada de "desavergonhada". Fernando Pessoa tomou posição em defesa dos amigos António Botto e Raul Leal. (Raul Leal vivia em Paris, mas António Botto e Judith Teixeira foram perseguidos. Botto foi demitido da função pública e acabou por fugir
para o Brasil; doente, morreu na miséria em 1959.)
Em Junho do mesmo ano (1923), Judith publicou "Castelo de Sombras", constituído por 24 poemas datados de sexta feira de paixão de 1921 a Abril de 1923. E em Dezembro do mesmo ano, resolveu editar novamente "Decadência".
Durante o ano de 1925, Judith escreveu a maior parte dos poemas que iria publicar no livro "Nua", em 1926. Entretanto, editou e dirigiu a revista "Europa". O livro "Nua" foi anunciado pelo poema "A cor dos sons", publicado na revista "Contemporânea", n.º11. Em Junho, já com o livro à venda, sairia no jornal "Revolução Nacional", (jornal de propaganda da ditadura onde se insultavam os directores de quase todos os outros jornais), um texto onde era referido o livro "Nua" de Judith, como "uma das vergonhas sexuais e literárias" e apelidados os seus poemas de "versalhadas ignóbeis".
Em 1926 Marcello Caetano escreveria ainda, no jornal "Ordem Nova" (de que era fundador e redator), que tinham aparecido nas livrarias uns livros obscenos, apelidando Judith de "desavergonhada", e onde se vangloriava pela cremação dos livros dela, de Leal e de Botto, a que chamava de “papelada imunda, que empestava a cidade”.
Judith Teixeira, depois de enxovalhada publicamente, ridicularizada, apelidada de lésbica e caricaturada em revistas, defendeu-se e contra atacou na conferência "De Mim", cujo texto se apressou a editar. Sete meses depois, publicou "Satânia", enfrentando tudo e todos. Em 1928 publicou o "Poemeto das Sombras" na revista "Terras de Portugal". Depois desta data, Judith assinou raras colaborações. Totalmente esmagada, pela moral vigente, viu-se em 1927, sentenciada de "morte artística" pela mão de José Régio, que diria:"Todos os livros de Judith Teixeira não valem uma canção escolhida de António Botto".
Depois disto, sabe-se que terá saído do país e que se terá calado para sempre uma voz tão incisivamente dedicada à agitação.
Judith morreu a 17 de Maio de 1959, aos 79 anos, residindo então em Lisboa, em Campo de Ourique. Segundo o assento de óbito, morreu viúva, sem deixar filhos nem bens e sem fazer testamento.
Quinze anos mais tarde, em 1977, António Manuel Couto Viana ressuscitava o nome de Judith Teixeira, "a única mulher no modernismo português", ao dedicar-lhe uma memória no volume "Coração Arquivista" onde se interrogava porque teriam sido as poesias de Judith votadas ao silêncio e à ignorância das mesmas.
Judith Teixeira é ainda hoje praticamente desconhecida e continua a não estar representada em qualquer antologia. Fala-se ainda hoje da polémica da "literatura de sodoma" de Botto, Leal e Pessoa, e omite-se aquela que viu igualmente um livro seu em labareda e que foi a mais perseguida e enxovalhada dos poetas modernistas. Uma excepção para a Editora "&etc", que, em 1996 resolveu editar os poemas de Judith Teixeira, (com pesquisa, organização e bibliografia elaborada por Maria Jorge e Luis Manuel Gaspar), com o objectivo de reparar a injustiça de tal silêncio a que esta poetisa vanguardista dos anos 20 foi votada todos estes anos.
- Decadência. Poemas (1923)
- Castelo de Sombras. Poemas (1923)
- Nua. Poemas de Bizâncio (1926)
- De Mim. Conferência (1926)
- Satânia. Novelas (1927)
Wikipédia
Blogue "Europa", dedicado a Judith Teixeira
Biografia de Judith Teixeira
Sem comentários:
Enviar um comentário