domingo, 11 de dezembro de 2016

"Noite de Natal" - Poema de António Feijó


Augustus Edwin Mulready (British, 1844–1905), A Recess on a London Bridge, 1879



Noite de Natal

[A um pequenito, vendedor de jornais] 


Bairro elegante, – e que miséria! 
Roto e faminto, à luz sidéria, 
O pequenito adormeceu... 

Morto de frio e de cansaço, 
As mãos no seio, erguido o braço 
Sobre os jornais, que não vendeu. 

A noite é fria; a geada cresta; 
Em cada lar, sinais de festa! 
E o pobrezinho não tem lar... 

Todas as portas já cerradas! 
Ó almas puras, bem formadas, 
Vede as estrelas a chorar! 

Morto de frio e de cansaço, 
As mãos no seio, erguido o braço 
Sobre os jornais, que não vendeu, 

Em plena rua, que miséria! 
Roto e faminto, à luz sidéria, 
O pequenito adormeceu... 

Em torno dele – ó dor sagrada! 
Ao ver um círculo sem geada 
Na sua morna exalação, 

Pensei se o frio descaroável 
Do pequenino miserável 
Teria mágoa e compaixão... 

Sonha talvez, pobre inocente! 
Ao frio, à neve, ao luar mordente, 
Com o presépio de Belém... 

Do céu azul, às horas mortas, 
Nossa Senhora abriu-lhe as portas 
E aos orfãozinhos sem ninguém... 

E todo o céu se lhe apresenta 
Numa grande Árvore que ostenta 
Coisas dum vívido esplendor, 

Onde Jesus, o Deus Menino, 
Ao som dum cântico divino, 
Colhe as estrelas do Senhor... 

E o pequenito extasiado, 
Naquele sonho iluminado 
De tantas coisas imortais, 

– No céu azul, pobre criança! 
Pensa talvez, cheio de esperança, 
Vender melhor os seus jornais... 


António Feijó (1859-1917),
 in 'Antologia Poética' 


Augustus Edwin Mulready (British, 1844–1905)


"Viver é como amar: todas as razões são contra, e a força de todos os instintos é a favor." 


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