sábado, 28 de outubro de 2017

"Eu sabia por ela as estações" - Poema de Helder Macedo


Paul Cézanne (1839 - 1906), Chestnut trees at the Jas de Bouffan, c.1885-1887



Eu sabia por ela as estações


Eu sabia por ela as estações 
os esquilos os corvos as gaivotas. 
Chegada a primavera abria os nós 
em flores precipitadas e carnudas 
de longas redondezas tateantes 
que batiam no vidro da janela. 
Não dava fruto a minha castanheira 
e na verdade não era sequer minha 
ou só seria porque nos olhámos 
cada manhã por mais de trinta anos. 
Mas dava flores e esquilos e gaivotas 
verão outono corvos primavera 
sem contabilidades biológicas 
doutras fertilidades transmissíveis. 
Dava flores como se desse versos 
sem precisar por isso de escrevê-los 
como os amantes se amam num só corpo 
sem ver onde um começa e o outro acaba 
aberta toda em lábios vaginais 
com uterinos longos falos brancos. 
Também este ano floriu no tempo certo. 
Mas o inverno chegou em plenas maias. 
Disseram que a raiz rachou ao meio 
que o centro do seu tronco estava oco 
não percebiam como tinha flores. 
Cortaram membro a membro a minha árvore 
ficou só a raiz e o seu vazio 
e sobre o campo em volta a neve quente 
das suas flores perplexas 
impossíveis.




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