William-Adolphe Bouguereau (1825-1905), Égalité devant la mort, 1848, Museu de Orsay
Versos Íntimos
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te a lama que te espera!
O Homem que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo, acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro.
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa ainda pena a tua chaga
Apedreja essa mão vil que te afaga.
Escarra nessa boca de que beija!
Flávio Tavares (pintor brasileiro, 1950-), Augusto dos Anjos
Augusto dos Anjos (1884-1914) foi um poeta brasileiro identificado muitas vezes, como simbolista ou parnasiano. Todavia, muitos críticos, como o poeta Ferreira Gullar, preferem identificá-lo como pré-modernista.
"Eu e outras poesias" é o único livro de poesia de Augusto dos Anjos, publicado no Rio de Janeiro no ano de 1912. A obra destaca-se pela visão da vida, numa espécie de réplica à idealização dos temas praticados pelo Parnasianismo. Nessa obra, o autor exprime melancolia, ao mesmo tempo em que desafia os parnasianos, utilizando palavras não-poéticas como verme, cuspe, vómito, entre outras. Alguns a consideram uma obra expressionista, outros vêem nela características impressionistas, sendo comumente classificada como pertencente ao pré-modernismo brasileiro. Augusto dos Anjos também foi considerado romântico por muitos dos seus críticos brasileiros. Do ponto de vista da linguagem, destacam-se as imagens estranhas, que se aproximam do expressionismo (“Como uma pele de rinoceronte / Estendida por toda a minha vida!”, em “As cismas do destino”), a exploração da sonoridade (“Eu e o esqueleto esquálido de Ésquilo”, em “Sonho de um monista”) e o recurso aos superlativos (“Misericordiosíssimo”, em “A um carneiro morto”). É notável ainda como o poeta consegue fazer conviver o rigor formal da regularidade métrica e da recorrência a rimas raras com o coloquialismo que marcaria a poesia modernista posterior (“Porque o madapolão para a mortalha / Custa 1$200 ao lojista!”, em “Os doentes”). (daqui)
Louis-Jean-François Lagrenée, Allegory on the Death of the Dauphin, 1765
Alegoria
Alegoria, figura
de estilo complexa, de carácter macro-estrutural, é constituída por
uma sequência continuada de figuras micro-estruturais, baseadas na
analogia, que são geralmente metáforas. A alegoria encerra uma
comparação alargada entre uma realidade concreta e animada, que é
mostrada ao leitor/ouvinte com o objetivo de explicar/clarificar uma
entidade abstrata (intelectual, moral, psicológica, sentimental,
teórica). Esta realidade mental, de mais difícil compreensão, é
representada através de entidades concretas, objetivas, normalmente
seres humanos ou animais, com uma finalidade didática. Por isso, a
alegoria assume, muitas vezes, a forma de parábola, de fábula, de
sermão, de exemplo, de sátira, etc., e é possível ser encontrada em
todos os géneros literários. A dimensão macro-estrutural da alegoria
permite que seja alargada à totalidade de uma obra, como um conto, uma
epopeia ou uma peça de teatro. A alegoria é um recurso estilístico muito
frequente na literatura medieval e nos textos litúrgicos ou de alcance
ético-moral.
Um exemplo famoso de alegoria é o que encontramos na Alegoria da Caverna, de Platão (in, A República,
Livro VII). Para Platão, a caverna representa o mundo, mundo este que é
um lugar de ignorância, sofrimento e punição, em que as almas são
acorrentadas pelos deuses, de costas para a luz do sol, símbolo da
inteligência, da clarividência, da cultura, luz essa que cegava quem
para ela olhasse. A caverna é um mundo de sombras projetadas por uma luz
indireta, símbolo de aparências, de onde a alma tem que sair para
contemplar o mundo das Ideias e da Verdade.
Também nos autos de Gil Vicente é frequente encontrarmos uma dimensão alegórica. É o caso do Auto da Alma,
em que a Alma é uma personagem alegórica, que caminha pelo mundo à
semelhança de um peregrino que percorre vários lugares e que se cruza
com o bem e com o mal, alternadamente cedendo às tentações demoníacas e
aos apelos angélicos. A Alma acaba por encontrar o bem, na tranquilidade
e amparo da estalagem da Santa Madre Igreja, que lhe serve uma refeição
mística constituída pelas Insígnias da Paixão de Cristo.
Encontramos ainda outro exemplo no Sermão de Santo António aos Peixes, do Padre António Vieira, em que a descrição física do polvo simboliza a hipocrisia, a traição e a dissimulação humanas:
O
polvo, com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles
seus raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem
espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão. (Padre António Vieira, Sermão de Santo António aos Peixes) (Daqui)
alegoria (nome feminino)
1.
figura de retórica que consiste na representação de uma realidade
abstrata através de uma realidade concreta, por meio de analogias,
metáforas, imagens e comparações; representação simbólica
2. obra de arte que representa uma ideia abstrata
3. expressão verbal ou plástica de uma coisa, com o fim de que as palavras ou imagens usadas sugiram outra coisa
4. concretização por meio de imagens, pessoas e figuras, de ideias ou entidades abstratas (Daqui)
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