quarta-feira, 1 de novembro de 2017

"Romance" - Poema de Afonso Lopes Vieira


Giacomo Balla, Voo das Andorinhas, 1913, Têmpera sobre papel


Romance


Por noite velha, truz truz,
Bateram à minha porta.
— De onde vens, ó minha alma?
— Venho morta, quase morta.

Já eu mal a conhecia,
De tão mudada que vinha;
Trazia todas quebradas
Suas asas de andorinha.

Mandei-lhe fazer a ceia,
Do melhor manjar que havia.
— De onde vens, ó minha alma,
Que já mal te conhecia?

Mas a minha alma, calada,
Olhava e eu não respondia;
E nos seus formosos olhos
Quantas tristezas havia!

Mandei-lhe fazer a cama
Da melhor roupa que tinha
«Por cima damasco roxo
Por baixo cambraia fina».

— Dorme, dorme ó minha alma,
Dorme e, para te embalar,
A boca me está cantando
Com vontade de chorar.
 Ilhas de Bruma, 1917


Umberto Boccioni, Estados de espírito (estudo): aqueles que ficam, 1911. Óleo sobre tela,
 Museu de Arte Moderna de Nova York.


Umberto Boccioni, Estados de Alma III - Aqueles que permanecem, 1911, MoMA, Nova York


"A vida é o pouco que nos sobra da morte."

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