A Ceifeira
Há quem diga por inveja
Que és feia por ser trigueira;
Dizem as damas da corte,
Deixai-as dizer ceifeira.
Quisera que elas te vissem
Feita senhora festeira,
Que me dissessem depois,
Se eras ou não feiticeira!
Que vissem com que requebros
Tu vais a mercar na feira,
Que vissem como inocente
Vais depois pular na eira.
Mariquinhas de olhos pretos,
Mimosa — gentil ceifeira,
És bela por caprichosa,
És linda por ser trigueira.
Hei de ir à festa e de longe
Ver-te na dança ligeira,
A ver se coras na dança,
A ver se tens quem te queira.
Hei de ir depois alcançar-te
No atalho, mesmo à beira,
E dizer-te que na dança
Eras gentil, a primeira.
A dizer-te que eras linda
Como aurora prazenteira;
A contar-te que na festa
Eras só, sem companheira.
A contar-te que não perdes
Por te chamarem trigueira,
A ti, rainha da festa
Mimosa - gentil ceifeira.
A ti que eu vi assentada
Ontem à noite à lareira,
Crendo deveras num conto,
Num conto de feiticeira.
A ti que vergas a cinta,
Como se verga a palmeira,
Que tens escrita no rosto
Inspiração verdadeira.
A ti que dormes com o Cristo
Pendente da cabeceira;
Que só choraste na vida,
Uma vez — por brincadeira!
A quem chamam, por inveja,
A Mariquinhas trigueira;
Porque sabem que és de todas
A mais mimosa ceifeira!
Porque tens nos olhos negros
O condão de dar cegueira,
A quem os fita de perto,
Com atenção verdadeira.
Só te falta alva capela,
Das flores da laranjeira,
Que a todos diga que a noiva
Era ainda há pouco a festeira.
Que nos dê a triste nova,
Que pela vez derradeira,
Vemos de perto tão perto
Aquela fronte fagueira.
A quem as mais, por despique,
Vendo a formosa ceifeira,
Diziam — coitada dela
Sendo assim morre solteira!
Luís Augusto Palmeirim
(1825-1893)
Filippo Palizzi, Beyond the Wall, 1870
Há quem diga por inveja
Que és feia por ser trigueira;
Dizem as damas da corte,
Deixai-as dizer ceifeira.
Quisera que elas te vissem
Feita senhora festeira,
Que me dissessem depois,
Se eras ou não feiticeira!
Que vissem com que requebros
Tu vais a mercar na feira,
Que vissem como inocente
Vais depois pular na eira.
Mariquinhas de olhos pretos,
Mimosa — gentil ceifeira,
És bela por caprichosa,
És linda por ser trigueira.
Hei de ir à festa e de longe
Ver-te na dança ligeira,
A ver se coras na dança,
A ver se tens quem te queira.
Hei de ir depois alcançar-te
No atalho, mesmo à beira,
E dizer-te que na dança
Eras gentil, a primeira.
A dizer-te que eras linda
Como aurora prazenteira;
A contar-te que na festa
Eras só, sem companheira.
A contar-te que não perdes
Por te chamarem trigueira,
A ti, rainha da festa
Mimosa - gentil ceifeira.
A ti que eu vi assentada
Ontem à noite à lareira,
Crendo deveras num conto,
Num conto de feiticeira.
A ti que vergas a cinta,
Como se verga a palmeira,
Que tens escrita no rosto
Inspiração verdadeira.
A ti que dormes com o Cristo
Pendente da cabeceira;
Que só choraste na vida,
Uma vez — por brincadeira!
A quem chamam, por inveja,
A Mariquinhas trigueira;
Porque sabem que és de todas
A mais mimosa ceifeira!
Porque tens nos olhos negros
O condão de dar cegueira,
A quem os fita de perto,
Com atenção verdadeira.
Só te falta alva capela,
Das flores da laranjeira,
Que a todos diga que a noiva
Era ainda há pouco a festeira.
Que nos dê a triste nova,
Que pela vez derradeira,
Vemos de perto tão perto
Aquela fronte fagueira.
A quem as mais, por despique,
Vendo a formosa ceifeira,
Diziam — coitada dela
Sendo assim morre solteira!
Luís Augusto Palmeirim
(1825-1893)
Filippo Palizzi, Beyond the Wall, 1870
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