sexta-feira, 19 de junho de 2020

"A Noite" - Poema de Cesare Pavese


 
Peleg Franklin Brownell (American, 1857 - 1946), Homework, c. 1904
 


A Noite 


Mas a noite ventosa, a noite límpida
que a lembrança somente aflorava, está longe,
é uma lembrança. Perdura uma calma de espanto,
feita também ela de folhas e de nada. Desse tempo
mais distante que as recordações apenas resta
um vago recordar.

As vezes volta à luz do dia,
na imóvel luz dos dias de Verão,
aquele espanto remoto.

Pela janela vazia
o menino olhava a noite nas colinas
frescas e negras, e espantava-se de as ver assim tão juntas:
vaga e límpida imobilidade. Entre a folhagem
que sussurrava na escuridão, apareciam as colinas
onde todas as coisas do dia, as ladeiras
e as árvores e os vinhedos, eram nítidas e mortas
e a vida era outra, de vento, de céu,
e de folhas e de coisa nenhuma.

Às vezes regressa
na imóvel calma do dia a recordação
daquele viver absorto, na luz assombrada. 


Cesare Pavese, in 'Trabalhar Cansa'
Tradução de Carlos Leite


Peleg Franklin Brownell, Lamplight, 1892


"O que importa não é passear de noite mas deixar a noite passear-se em nós." 

Mia Couto, Vinte e Zinco


Peleg Franklin Brownell,  Homework, 1892


"As ideias, todos sabemos, não nascem na cabeça das pessoas. Começam num qualquer lado, são fumos soltos, tresvairados, rodando à procura de uma devida mente."


Mia Couto
, Terra Sonâmbula 

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