O lugar onde o coração se esconde
é onde o vento norte corta luas brancas no azul do mar
e o poeta solitário escolhe igreja para casar.
O lugar onde o coração se esconde
é em dezembro o sol cortado pelo frio
e à noite as luzes a alinhar o rio.
O lugar onde o coração se esconde
é onde contra a casa soa o sino
e dia a dia o homem soma o seu destino.
O lugar onde o coração se esconde
é sobretudo agosto vento música raparigas em cabelo
feira das sextas feiras gado pó e povo
é onde se consente que nasça de novo
àquele que foi jovem e belo
mas o tempo a pouco e pouco arrefeceu.
O lugar onde o coração se esconde
é o novo passado a ida para o liceu.
Mas onde fica e como é que se chama
a terra do crepúsculo de algodão em rama
das muitas procissões dos contra-luz no bar
da surpresa violenta desse sempre renovado mar?
O lugar onde o coração se esconde
e a mulher eterna tem luz na fronte
fica no norte e é Vila do Conde.
Ruy Belo, in Homem de Palavra(s), 1969
Voz: Luís Miguel Cintra
“Aquilo que está escrito no coração não necessita de agendas, porque a gente não esquece. O que a memória ama fica eterno.”
Sou psicanalista. Meu trabalho se baseia na escuta. Cada cliente fala e, ao fazer isso, me permite andar nas paisagens da sua alma. Ao escrever uma crónica faço o contrário: sou eu que ofereço as paisagens da minha alma aos olhos dos meus leitores. E eles, sem o saber, são os meus psicanalistas...
O escritor não é alguém que vê coisas que ninguém mais vê. O que ele faz é simplesmente iluminar com os seus olhos aquilo que todos vêem sem se dar conta disso. E o que se espera é que as pessoas tenham aquela experiência a que os filósofos Zen dão o nome de "satori": a abertura de um terceiro olho, para que o mundo já conhecido seja de novo conhecido como nunca o foi. (daqui)
Aos doze anos mudou-se para o Rio de Janeiro. Estudou Teologia num seminário presbiteriano entre 1953 e 1957 e, no ano seguinte, tornou-se pastor em Lavras, no interior de Minas Gerais.
Com trinta anos, foi estudar para Nova Iorque, onde fez um mestrado em Teologia. Regressou ao Brasil em 1964 e, quatro anos mais tarde, foi considerado subversivo pela Igreja Presbiteriana. Decidiu abandonar esta igreja e ir viver para os Estados Unidos da América, onde continuou a estudar, concluindo um doutoramento em Filosofia. Já neste país publicou, em 1969, a sua tese A Theology of Human Hope, que entende ser um dos primeiros documentos da Teoria da Libertação.
Regressou, entretanto, ao Brasil para dar aulas de Filosofia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, em São Paulo, e, mais tarde, na Universidade Estadual de Campinas, onde viria também a ocupar ao longo dos anos diversos cargos de relevo.
Já na década de 80, tornou-se psicanalista ao fazer o curso na Sociedade Paulista de Psicanálise. Paralelamente, foi docente convidado na Universidade de Birmingham, em Inglaterra, e no Bellagio Study Center, em Itália.
Passou posteriormente, ainda nos anos 80, por uma fase difícil na sua vida pessoal e resolveu começar a escrever para recuperar a alegria de viver, dividindo-se entre poesia, contos, romances, histórias para crianças e ensaios.
Várias das obras de Rubem Alves foram editadas em Portugal, nomeadamente A Escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir, A Alegria de ensinar, As Cores do Crepúsculo - A Estética do Envelhecer, Conversas com quem gosta de ensinar, As Mais Belas Histórias de Rubem Alves (para crianças) e Se Eu Pudesse Viver a Minha Vida Novamente...
A Escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir é uma obra sobre a Escola da Ponte, em Vila das Aves, em Portugal, onde o autor encontrou, no ano 2000, o modelo de ensino que considera ideal.
Quando deixou de lecionar, abriu um restaurante em Campinas onde pôde exercer o seu gosto pela culinária. No mesmo espaço, organizou cursos de cinema, pintura e literatura.
A cidade de Campinas reconheceu o mérito do trabalho de Rubem Alves fazendo-o membro da Academia Campinense de Letras, cidadão-honorário, e entregando-lhe a medalha Carlos Gomes pela sua contribuição para a cultura. (daqui)