quarta-feira, 23 de julho de 2025

"Nictofagia" - Poema de Natália Correia




Harald Slott-Møller (Danish painter and ceramist, 1864–1937),
 An evening by the beach, 1925.


Nictofagia


Se eu pudesse beber-te, ó noite,
Até encontrar o teu gosto,
Ou mordendo a ponta do açoite
Da tua treva no meu rosto,

Achasse a planície de lume
De que és uma aresta de estrelas
E sonhando sem peso e volume
Fosse um sonho de chão a tece-las

E na praia de um trilo sem flauta,
Instrumento das harpas do fundo
Duma água escorrida da pauta
Da manhã mais antiga do mundo,

Me estendesses, ó noite florida
Das sementes que trazes no punho,
Uma adolescência impelida
Pelo arco das brisas de junho!


Natália Correia
, in Passaporte, 1958 

 


"Passaporte" (Poemas) de Natália Correia, 1.ª Edição,
Editora Gráfica Portuguesa, Lda. Lisboa, 1958.
 

SINOPSE 

"Passaporte" é um dos primeiros livros de Natália Correia (1923–1993) ligado à "tendência surrealista da poesia portuguesa" que contém os poemas: Passaporte, Boletim Meteorológico, Discurso Directo, Biografia Encomendada pela Insónia, Êxodo, O Poema, Metamorfoses necessárias para a Reconquista do Mundo, A Demiurgia do Riso, Ricochete, Homenagem a Titus Lucretius Carus, Poema destinado a haver Domingo, Nictofagia, Projecto de Bodas, Elegia dos Amantes Lúcidos, Ultrabiográfico, Mar Uterino.
Em "Passaporte", Natália Correia explora temas como a identidade, a viagem e a busca por um lugar no mundo, utilizando uma linguagem que transita entre o surrealismo e o realismo, com um toque de irreverência e paixão. A obra reflete a personalidade da autora, que, segundo críticos da Universidade do Porto, era alguém que "chega adiantada no tempo" e que não se encaixa em normas ou ideologias. 


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