sábado, 5 de julho de 2025

"Surpresas" - Poema de Mário Quintana



Ary Scheffer (Dutch-French Romantic painter, 1795–1858), The Death of Géricault
(French painter and lithographer, 1791–1824), 1824,
Louvre Museum.


Surpresas


Sabes? Os cabelos da morte são entrelaçados de flores,
Não de flores mortas como essas inertes sempre-vivas,
Mas inquietas e misteriosas como os não desfolhados malmequeres.
Ou bravias como as pequenas rosas-silvestres.

As mãos da morte, as suas mãos não têm anéis,
Sua virgem nudez não comporta o peso de uma joia,
Os seus olhos não são, não são uns covis de treva,
Mas cheios de luz como os olhos do primeiro amor.

Porque a morte não faz esquecer, mas faz tudo lembrar,
Porque a morte não é, não é um sono eterno:
Tu vais adormecer como num berço, pouco a pouco,
E acordarás de súbito num vasto leito de noivado! 


Mário Quintana, in Esconderijos do Tempo,
Porto Alegre, L&PM, 1980.
 

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