quinta-feira, 3 de julho de 2025

"Insónia" - Poema de Anthero Monteiro



Anton Mauve (Dutch realist painter, 1838–1888), Shepherdess with a Flock of Sheep,
c.1870 - c.1888. Amsterdam, Rijksmuseum.


Insónia


Um dois e três carneiros
saltitam espertos
Mais três como os primeiros
— e eu de olhos abertos…

Sete oito nove dez
fugidos ao seu dono
Já são quarenta pés
— e eu à espera do sono…

Onze bolas de lã
tropeçando à marrada.
Já é quase manhã
— e quanto a dormir nada…

Uma dúzia balindo
(e só sabem balir)
Que rebanho tão lindo
de horas sem dormir!…

Mais cinco dezassete,
mais quatro vinte e um
Esta noite promete
— e eu sem sono nenhum…

Vinte e dois vinte e três…
E mais um par recolho
Já passaram mais dez
— e eu sem pregar olho…

Já lá vão trinta e quatro
se não erro ou não esqueço
Lá vem mais um pacato
— e eu cá não adormeço…

Chega meia centena
a tropeçar na lama
Quem de mim terá pena
sempre às voltas na cama?

Já são oitenta e cinco
mais quinze faz os cem
Eles brincam e eu brinco
sem ter sono também…

Ai se o lobo noturno
atacasse… — que horror!
Por isso é que não durmo
É que eu sou o pastor…


Anthero Monteiro,
in "A Lia que lia lia"
Ilustrações de Sara Príncipe,
Elefante Editores / Espinho, 1999.

 

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