Vilhelm Hammershøi (Pintor dinamarquês, 1864-1916)
Madrigal
Enfim fenece o dia,
Enfim chega da noite o triste espanto,
E não chega desta alma o doce encanto
Enfim fica triunfante a tirania,
Vencido o sofrimento,
Sem alívio meu mal, eu sem alento,
A sorte sem piedade,
Alegre a emulação, triste a vontade,
O gosto fenecido,
Eu infeliz enfim, Lauro esquecido...
Quem viu mais dura sorte?
Tantos males, amor, para uma morte?
Não basta contra a vida
Esta ausência cruel, esta partida?
Não basta tanta dor? tanto receio?
Tanto cuidado, ai triste, e tanto enleio?
Não basta estar ausente,
Para perder a vida infelizmente?
Se não também, cruel, neste conflito
Me negas o socorro de um escrito?
Porque esta dor que a alma me penetra
Não ache o maior bem na menor letra,
Ai! bem fazes, amor, tira-me tudo!
Não há alívio, não, não há escudo,
Que a vida me defenda,
Tudo me falte, enfim, tudo me ofenda,
Tudo me tire a vida,
Pois eu a não perdi na despedida.
Violante do Céu, in 'Antologia Poética'
Vilhelm Hammershøi, Interior, c. 1900, Oil on canvas, 56 x 44,5 cm, Private Collection
Sóror Violante do Céu era uma freira dominicana que na vida secular se chamava Violante Montesino. Professou no convento de Nossa Senhora do Rosário da Ordem de S. Domingos em 1630.
Aos 17 anos, celebrizou-se ao compor uma comédia para ser representada durante a visita de Filipe II a Lisboa. Também se dedicou à música como instrumentista, tocando, como consta, harmoniosamente harpa.
Todavia, foi sobretudo na poesia que se distinguiu, sendo hoje reconhecida como um dos expoentes máximos da lírica barroca em Portugal.
Conhecida pelos meios culturais da sua época como Décima Musa e Fénix dos Engenhos Lusitanos, cultivou a vertente conceptista do Barroco, que assentava, essencialmente na construção mental e na elegância da subtileza, exibindo um estilo muito mais intelectualizado do que o admitiria o preconceito sentimentalista feminino. Profundamente entrosada no espírito da Fénix Renascida, exibe nas suas composições uma dialética idealista que procura concretizar o impossível, transformar a morte na vida, a tristeza na alegria.
Intelectualizou ainda escolasticamente alguns temas líricos, nos quais revela muitas vezes alguns acentos de sinceridade, como é o caso dos versos que dedica a um incógnito Silvano:
Se apartada do corpo a doce vida,
Domina em seu lugar a dura morte,
De que nasce tardar-me tanto a morte
Se ausente da alma estou, que me dá vida?
Não quero sem Silvano já ter vida,
Pois tudo sem Silvano é viva morte,
Já que se foi Silvano, venha a morte,
Perca-se por Silvano a minha vida.
Ah! Suspirado ausente, se esta morte
Não te obriga querer vir dar-me vida,
Como não ma vem dar a mesma morte?
Mas se na alma consiste a própria vida,
Bem sei que se me tarda tanto a morte,
Que é porque sinta a morte de tal vida.
Soror Violante do Céu
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