Playing With Moon, photography by Laurent Laveder
Atitude
Minha esperança perdeu seu nome...
Fechei meu sonho, para chamá-la.
A tristeza transfigurou-me
como o luar que entra numa sala.
O último passo do destino
parará sem forma funesta,
e a noite oscilará como um dourado sino
derramando flores de festa.
Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando
nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.
E um campo de estrelas irá brotando
atrás das lembranças ardentes.
Atitude
Minha esperança perdeu seu nome...
Fechei meu sonho, para chamá-la.
A tristeza transfigurou-me
como o luar que entra numa sala.
O último passo do destino
parará sem forma funesta,
e a noite oscilará como um dourado sino
derramando flores de festa.
Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando
nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.
E um campo de estrelas irá brotando
atrás das lembranças ardentes.
in 'Viagem'
"O hábito é que me faz suportar a vida. Às vezes acordo com este grito: - A morte! A morte! - e debalde arredo o estúpido aguilhão. Choro sobre mim mesmo como sobre um sepulcro vazio. Oh! Como a vida pesa, como este único minuto com a morte pela eternidade pesa! Como a vida esplêndida é aborrecida e inútil! Não se passa nada, não se passa nada. Todos os dias dizemos as mesmas palavras, cumprimentamos com o mesmo sorriso e fazemos as mesmas mesuras. Petrificam-se os hábitos lentamente acumulados. O tempo mói: mói a ambição e o fel e torna as figuras grotescas."
Raúl Brandão, Húmus
Raúl Germano Brandão
Portugal, 1867/1930
Poeta/Romancista/Memorialista/Teatrólogo
Portugal, 1867/1930
Poeta/Romancista/Memorialista/Teatrólogo
Húmus
A obra-prima de Raul Brandão, é o primeiro romance existencialista português que inclui traços do expressionismo literário. Trata-se de um romance-monólogo, centrado em dois monólogos interiores: o primeiro orador, sem nome, e o seu alter-ego – um filósofo lunático chamado “Gabiru”. Ambos registam a vida que decorre numa pequena vila, ao longo de um ano, exprimindo o que veem e o que sentem, em perspetivas diferentes, expondo assim a contradição entre o mundo aparente e o autêntico.
"Nos alicerces uma geração, outra geração, todos apodrecendo juntos na mesma terra misturada e revolvida. A parte exterior é maravilhosa, a parte subterrânea é mais maravilhosa ainda. É a única raiz que se conserva intacta."
Publicado pela primeira vez em 1917 e escrito durante a primeira Grande Guerra (1914-1918), “Húmus” é a primeira obra portuguesa de carácter existencialista – um movimento tornado popular durante o século XX em plena convulsão das guerras mundiais, como maneira de reafirmar a importância da liberdade e individualidade humana, em abordagens sobre a angústia existencial, a existência de Deus, a vida e a consciência.
O título da obra, “Húmus” – o composto de detritos vegetais e animais, a parte fértil do solo, onde todos apodrecem “juntos na mesma terra misturada e revolvida”, como o próprio autor o refere – é o ponto de partida para uma análise temática sobre a morte e a regeneração da vida, numa perpétua continuidade. Temas muito próprios do existencialismo que se debruça sobre o sentido da existência da humanidade, ao mesmo tempo que a define.
Quando saiu, a obra foi veementemente rejeitada tanto pelo público como pelos críticos literários da altura. Foi definida por muitos como sendo desnecessariamente complexa, sem uma estrutura narrativa concreta e impossível de catalogar. Realmente, o “Húmus”, não tendo os pressupostos necessários para ser um verdadeiro romance, também não é um ensaio nem é um diário embora esteja escrito nesse formato. Houve alguém que a definisse com “um poema contínuo” por ser quase um texto lírico, com questões filosóficas, mas escrito em prosa.
Apesar da má receção do público a obra teve um grande impacto nos meios literários, tanto que Raul Brandão passaria a ser apelidado como “o autor do Húmus”, apesar de escrever outras obras de grande aclamação e sucesso literário. Nada faria prever na altura que essa mesma obra era apenas o começo de um novo movimento literário e que influenciaria toda uma geração de novos escritores como Agustina Bessa Luís, Virgílio Ferreira, António Lobo Antunes ou José Saramago.
O poeta e ensaísta David Mourão-Ferreira escreveria sobre o Húmus, anos mais tarde: “Acabo de reler o ‘Húmus’, de um fôlego, numa só noite, e dessa leitura saio, ao mesmo tempo, sufocado e eufórico, impregnado até aos ossos de uma sensação física de ‘mixórdia’ e de espanto.” (Daqui)
Sem comentários:
Enviar um comentário