quinta-feira, 11 de abril de 2013

"Ironias do Desgosto" - Poema de Cesário Verde


Octavia Walton Le Vert, painted in 1833 by Thomas Sully.



Ironias do Desgosto


Onde é que te nasceu - dizia-me ela às vezes - 
O horror calado e triste às coisas sepulcrais? 
Por que é que não possuis a verve dos franceses 
E aspiras, em silêncio, os frascos dos meus sais? 

Por que é que tens no olhar, moroso e persistente, 
As sombras dum jazigo e as fundas abstrações, 
E abrigas tanto fel no peito, que não sente 
O abalo feminil das minhas expansões? 

Há quem te julgue um velho. O teu sorriso é falso; 
Mas quando tentas rir parece então, meu bem, 
Que estão edificando um negro cadafalso 
E ou vai alguém morrer ou vão matar alguém! 

Eu vim - não sabes tu? - para gozar em maio, 
No campo, a quietação banhada de prazer! 
Não vês, ó descorado, as vestes com que saio, 
E os júbilos, que abril acaba de trazer? 

Não vês como a campina é toda embalsamada 
E como nos alegra em cada nova flor? 
Então por que é que tens na fronte consternada
Um não-sei-quê tocante e enternecedor? 

Eu só lhe respondia: — Escuta-me. Conforme 
Tu vibras os cristais da boca musical, 
Vai-nos minando o tempo, o tempo - o cancro enorme 
Que te há de corromper o corpo de vestal. 

E eu calmamente sei, na dor que me amortalha, 
Que a tua cabecinha ornada à Rabagas, 
A pouco e pouco há de ir tornando-se grisalha 
E em breve ao quente sol e ao gás alvejará! 

E eu que daria um rei por cada teu suspiro, 
Eu que amo a mocidade e as modas fúteis, vãs, 
Eu morro de pesar, talvez, porque prefiro 
O teu cabelo escuro às veneráveis cãs! 
 
 

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