segunda-feira, 8 de abril de 2013

"Vossos Olhos, Senhora, que Competem" - Soneto de Luís de Camões


 A Nude in a Landscape
 
 

Vossos Olhos, Senhora, que Competem


Vossos olhos, Senhora, que competem 
Com o Sol em beleza e claridade, 
Enchem os meus de tal suavidade, 
Que em lágrimas de vê-los se derretem. 

Meus sentidos prostrados se submetem 
Assim cegos a tanta majestade; 
E da triste prisão, da escuridade, 
Cheios de medo, por fugir remetem. 

Porém se então me vedes por acerto, 
Esse áspero desprezo com que olhais 
Me torna a animar a alma enfraquecida. 

Oh gentil cura! Oh estranho desconcerto! 
Que dareis c' um favor que vós não dais, 
Quando com um desprezo me dais vida? 


Luís de Camões
, in "Sonetos" 


Galeria de Wilfrid Gabriel de Glehn
Wilfrid Gabriel de Glehn, Standing Figure, Two Poses 


Wilfrid Gabriel de Glehn, The Wiltshire Downs from the Walnut Tree at Stratford Tony


Wilfrid Gabriel de Glehn, View from Wilfrid de Glehn’s garden at Stratford Tony


Wilfrid Gabriel de Glehn, Wiltshire Afternoon


Wilfrid Gabriel de Glehn, Wittenham Clumps, Vale of the White Horse, Wiltshire


Wilfrid Gabriel de Glehn, An Italian artilleryman kitchen in the Corso, 1917


Wilfrid Gabriel de Glehn, Soldiers Convalescing at Granada, 1912



O Caminho da Salvação


"A cegueira e a obstinação dos homens lembra-me às vezes a cegueira e a obstinação das varejeiras enfrenizadas contra as vidraças. Bastava um momento de serenidade, dez-réis de bom senso, e em qualquer fresta estava a liberdade. Mas o demónio da mosca, quanto mais a impossibilidade se lhe põe diante, mais teima. O resultado é cair morta no peitoril.
Não se pode fazer ideia da maravilha de criança que era a filha de um poeta de meia tigela que hoje me lia versos impossíveis, a empurrá-la enfastiado com a mão esquerda, quando ela graciosamente o interrompia. A canção enluarada, a quadra perfeita, o soneto verdadeiro que justificavam aquele homem estavam ali, a brilhar nos olhos da pequenita; e o desgraçado às turras à janela, a zumbir e a magoar-se, sem ver que tinha diante de si o verdadeiro caminho da salvação!"

Miguel Torga
, in "Diário (1943)" 
 

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