Albert Edelfelt (Finnish-Swedish painter, 1854-1905),
Portrait of Madame Vallery-Radot, 1888
Escrevo-te
escrevo-te
pelo corpo sinto um arrepio uma vertigem
que me enche o coração de ausência pavor e saudade
teu rosto é semelhante à noite
a espantosa noite do teu rosto!
corri para o telefone mas não me lembrava do teu número
queria apenas ouvir tua voz
contar-te o sonho que tive ontem e me aterrorizou
queria dizer-te por que parto
por que amo
ouvir-te perguntar quem fala?
e faltar-me a coragem para responder e desligar
depois caminhei como uma fera enfurecida pela casa
a noite tornou-se patética sem ti
não tinha sentido pensar em ti e não sair a correr para a rua
procurar-te imediatamente
correr a cidade duma ponta a outra
só para te dizer boa noite ou talvez tocar-te
e morrer
como quando me tocaste na testa e eu não pude reconhecer-te
apesar de tudo senti a mão sábia que era a tua mão
mas não podia reconhecer-te
sim
correr a cidade procurar-te mesmo que me afastasses
mesmo que nem me olhasses
mesmo que dissesses coisas que me
mesmo que
e ter a certeza de que serias tu depois a procurar-me.
Al Berto, in "O Medo"
pelo corpo sinto um arrepio uma vertigem
que me enche o coração de ausência pavor e saudade
teu rosto é semelhante à noite
a espantosa noite do teu rosto!
corri para o telefone mas não me lembrava do teu número
queria apenas ouvir tua voz
contar-te o sonho que tive ontem e me aterrorizou
queria dizer-te por que parto
por que amo
ouvir-te perguntar quem fala?
e faltar-me a coragem para responder e desligar
depois caminhei como uma fera enfurecida pela casa
a noite tornou-se patética sem ti
não tinha sentido pensar em ti e não sair a correr para a rua
procurar-te imediatamente
correr a cidade duma ponta a outra
só para te dizer boa noite ou talvez tocar-te
e morrer
como quando me tocaste na testa e eu não pude reconhecer-te
apesar de tudo senti a mão sábia que era a tua mão
mas não podia reconhecer-te
sim
correr a cidade procurar-te mesmo que me afastasses
mesmo que nem me olhasses
mesmo que dissesses coisas que me
mesmo que
e ter a certeza de que serias tu depois a procurar-me.
Al Berto, in "O Medo"
Assírio & Alvim, 2000, 5.ª edição.
Albert Edelfelt (1854 - 1905), Woman Reading in the Salon Room, s/d.
"Pretendo que a poesia tenha a virtude de, em meio ao sofrimento e ao desamparo, acender uma luz qualquer. Uma luz que não nos é dada, que não desce dos céus, mas que nasce das mãos e do espírito dos homens."
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