quarta-feira, 29 de julho de 2020

"Desassossego" - Poema de Irene Lisboa


Boris Kustodiev (1878-1927, Russian), Portrait of Julia Kustodieva,
 the artist's wife, 1903


Desassossego


Levanto os olhos.
Tinha-os sobre uma chapinha circunflexa, uma
espécie de oito luminoso, fixos no chão.
Olhos circunvagantes, um momento parados.

Tanta inquietação!
Rodopiante, como as moscas gulosas, teimosas,
insaciáveis.
Coração indefeso...

Agora o sol é já um sapatinho.
Uma meiazinha de criança, minúscula.

Mas de si que deixará esta minaz luta, este desassossego?
Cansaço e severidade.

Agora é uma moeda redondinha.
Cada vez mais pequena.
Luz e forma sempre nova...
Agora é só uma dedada, some-se.
Agora mais nada.
Igualdade.


Irene Lisboa



 
Boris Kustodiev, Self-portrait


"Quando não encontramos o repouso em nós próprios, é inútil ir procurá-lo noutro lado."
 


Boris Kustodiev, Country, 1919
 

"Quando me contrariam, despertam-me a atenção, não a cólera: aproximo-me de quem me contradiz e instrui."

(Michel de Montaigne)
 

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